Revirou-se algumas vezes na
cama, mas era difícil voltar a pegar no sono, pois nem a cama ortopédica era
confortável, além do vento gelado que adentrava o quarto. A pequena lareira do
quarto também não ajudava Thomas a dormir pelo barulho que fazia.
Desistiu de tentar dormir e
levantou-se, vestiu o chinelo do falecido Scott Swift e em passos silenciosos,
desceu as escadas em busca de uma garrafa de água.
— Com insônia?
Thomas se assustou ao ver Taylor
no escuro próximo a janela da sala de estar. Ele balançou a cabeça de forma
afirmativa e sentiu seu rosto e corpo esquentar, enquanto Taylor encarava-o e
analisava cada micro reação.
— Eu estou com sede, por isso
desci para... — apontou para a cozinha.
— Não se preocupe. — ela riu. — A casa agora é
sua, não é mesmo?!
Ele suspirou e acompanhou Taylor
até a cozinha onde a moça serviu um copo d’água. Thomas bebeu todo o líquido de
uma vez e respirou fundo.
— Não me dou muito bem com o
frio dessa forma. — disse. — É novo isso.
— Você não cresceu na região?
— Por aqui? Não, eu cresci em
Londres, então, o inverno que conheço não é do nível do interior de Winsconsin.
— ele riu. — Nunca estou aqui no final do ano.
— Estragamos seu fim de ano? —
Taylor questionou em tom irônico.
— Não, jamais. — respondeu. —
Valorizo toda e qualquer nova experiência. Na verdade, tentei contato em outros
momentos, mas nunca obtive resposta. E achei que, por conta da época do ano,
teria alguém em casa.
— Árvores de natal...
— No natal... — ele completou,
rindo. — Era óbvio.
Ela sorriu e ficou quieta,
pensativa com tudo que descobriu nas últimas horas. Voltou para a sala de estar
e se sentou na antiga poltrona de seu pai.
— Sei que é difícil acreditar em
mim, até porque você não tem motivos para confiar em mim, mas saiba que seu pai
confiou.
— E onde isso nos levou?
— Como te disse, eu cumpri até
hoje parte do meu combinado com ele. Todo mês, sua mãe teve acesso aos remédios
dela e todo o cuidado que ela precisa, eu me prontifiquei de cumprir isso na
forma que ele me pediu. — Thomas disse firme. — E ele não cumpriu o combinado
em levantar esta fazenda, essa era a parte dele desde o início.
— Agora meu pai não tem
palavra... — ela riu. — Como posso estar
vivendo isso!
— Não falei isso, Taylor. — Thomas olhou-a. —
Estou dizendo que eu tentei ajudá-lo diversas vezes, inclusive em dizer que era
melhor vender tudo para poder viver em paz, mas ele nunca quis vender esse
lugar porque foi...
— Onde cresci. — ela
interrompeu-o. — Ele prometeu-me nunca vender.
— Exatamente o que ele me
disse...
— Mas ele vendeu para você!
— Sim... — Thomas respondeu. —
Mas porque ele sabia que eu não tenho interesse algum neste lugar e seria a
pessoa ideal certa para te devolver.
— Devolver? Isso não é um lápis
que você pega emprestado e devolve. — Taylor retrucou nervosa. — Não faz
sentido algum nas coisas que você me diz, como se fosse um bom samaritano. Ou
melhor, eu sou o Scrooge e você é um dos espíritos natalinos que veio me
ajudar.
— Charles Dickens? — Thomas riu.
— Eu adoro este livro! Mas não acredito que você se pareça com Scrooge.
— Escute, Thomas! Vou ser mais
clara porque, por toda a gravidade da situação, já pensei em matá-lo aqui mesmo
para salvar minha família, enquanto você ri do que digo.
Thomas fechou seu sorriso e
afastou-se, como se entendesse a ameaça real.
— Coloque-se no meu lugar e
entenderá que não tem como acreditar em você. Meu pai nunca falou de você para
minha mãe, nem para mim. Você é um banqueiro que comprou minha casa e diz que
quer me devolver, a que custo? Diga o preço! — Taylor elevou sua voz. — Você
não diz por que sabe que eu não tenho valor algum já que eu sequer sabia que
existiu uma crise financeira na minha família que resultou na perda da única
casa que temos. E para piorar, ainda descubro que minha mãe deve sua vida e sua
saúde ao mesmo homem que pertence nossa casa. E tudo isso não véspera do natal.
Taylor levou as mãos ao rosto
para esconder que chorava.
— E nem temos aonde ir daqui a
poucos dias. — completou.
Thomas observou-a por alguns
minutos, onde Taylor chorava piedosamente encolhendo-se na poltrona. O rapaz se
levantou e aproximou dela, tentando acolhê-la, mas apenas passou a mão em seu
ombro.
— Nunca disse que você me devia
algo. — ele disse. — E eu sei o quanto é difícil ouvir e digerir tudo que
disse, mas se ajudar a fazer você entender, eu sou fui o Scrooge por muito
tempo, até conhecer o seu pai. Ele foi o primeiro espírito natalino que cruzou
meu caminho amargo quando nos conhecemos.
Ela olhou-o com mais atenção,
limpou seu rosto.
— Nunca soube o significado de
família até ver o que significava para ele. Quando eu o conheci, aqui mesmo,
foi quando teria uma confraternização de três unidades do banco e me deixaram
responsável de comprar uma arvore de natal, enquanto estava na estrada para
visitar um antigo colega, encontrei este lugar. Seu pai era atencioso, parecia
que ele era capaz de ver além... — Thomas respirou fundo. — existia escuridão e
solidão em mim, mas ele viu mais que isso. Mais do que eu mesmo.
— E o que fez você mudar?
— Ah, não sei como foi, mas
voltei aqui diversas vezes... — ele respondeu. — Não foi um milagre
instantâneo, mas foi uma pessoa disposta a me ouvir por ouvir, não por
interesses maiores. Eu detestava estar aqui, no interior com caipiras
americanos ou pessoas interesseiras e fúteis, o tempo inteiro me bajulando e
querendo mais e mais. Sempre que eu precisava estar aqui, eu visitava seu pai
por... carência... — ele riu. — e eu demorei para entender que eu precisava
mais dele do que ao contrário.
Thomas encostou no sofá e
relaxou, sorriu ao lembrar de uma de suas visitas:
— Uma vez, ele me ligou
perguntando se eu não viria. Acredito que tenha vindo para cá em três natais
diferentes, já outras visitas que fiz ao seu pai foi esporádica durante o ano. A
última vez, eu estava vivendo uma crise amorosa... — Thomas riu. — Oh, como foi
difícil aceitar o fim. E eu quem tinha terminado... foi a última vez que estive
com alguém.
— Ele sabia dar bons conselhos
amorosos. — Taylor riu. — Eu me pergunto por que ele nunca comentou sobre
você...
— Não sei, ele me guardou como
segredo quando ele também omitiu que sua mãe estava doente. — Thomas respondeu.
— Eu sei que você não sabia que ela estava doente até ele ficar doente.
— Você realmente sabe demais!
— Eu sei por que eu me ofereci a
pagar os remédios dela. Ele tentou de tudo para que ela pudesse conseguir
qualquer plano de saúde bom, alguma feitoria... Esse país é uma merda! — Thomas
disse bravo. — Eu não sabia como funcionava até ele me explicar e dar quase seis
mil dólares por mês por remédios... é um absurdo!
— É o preço que você paga todo
mês pela minha mãe, não é? Uau...
— Sim, mas pago com orgulho. É
um dinheiro bem gasto. — Thomas respondeu. — E foi aí que começou a crise
financeira, ele já tinha feito empréstimo para remédios antes que eu pudesse ajudá-lo,
também fez para pagar dois meses de sua faculdade. Seu pai foi enganado por
promessas de funcionário de banco, ele jamais conseguiria pagar tamanha dívida
com tantos juros que ele assinou. Quando vi a papelada, fiquei incrédulo com o
que fizeram com ele. É o que a América faz, isso é coisa daqui! — balançou a
cabeça perplexo. — E foi assim que ele perdeu essa fazenda.
— Para você?
— Mais ou menos. — ele respirou
fundo. — Em março de 2020, seu pai já havia perdido a casa e ela foi para
leilão. Quando voltei de Londres, vi o nome da fazenda de vocês na lista e
participei do leilão, eu comprei a casa para salvar uma das coisas que ele mais
prezava. Eu mandei mensagens à ele, liguei algumas vezes... Vim aqui em
setembro, mas estava tudo fechado. — Thomas pegou seu celular. — Eu tentei
contato com ele tantas vezes até receber isto aqui no último mês. Depois de um
ano, finalmente chegou ao banco os documentos que dizia que seu pai havia
falecido.
Ficaram em silêncio.
— E cá estou aqui, dizendo que
eu não quero essa fazenda e que existe somente duas formas de devolvê-la para
sua família. — Thomas aproximou-se. — Uma você irá negar, a outra você irá
negar também. Mas antes de dizer as duas opções, quero te contar mais uma
coisa, eu fui demitido nesta manhã porque descobriram que me envolvi
emocionalmente com este cliente antigo, Scott Swift, fazendo com que o banco
mal conseguisse lucrar com este lugar como gostariam, além de ter... perdoado
uma dívida que seu pai o havia deixado.
— Espera! Você perdeu seu
emprego por ajudar meu pai? — Taylor riu. — E você não está preocupado?
— Com isso? Jamais! Fizeram-me
um favor de ter me demitido deste lugar... — ele riu. — Quem sabe, não volto
mais à América. Além do mais, tenho outros planos.
— Como eu teria minha casa de
volta? Dessa vez, no meu nome e eu faria tudo certo!
— Não duvido disso, Taylor. Não
duvido de você, seu pai mesmo me falou isso.
Thomas se levantou e ajeitou
aquele pijama.
— A primeira alternativa é a
mais correta e esperada, eu lhe ofereço a propriedade e você me pega por ela...
é bem simples...
— Com que dinheiro? — Taylor deu
uma gargalhada. — É uma piada?!
— A segunda alternativa é a que
você negará, mas é um caminho diferente do que esperávamos, mas é nos casarmos.
Você aceitaria casar comigo?
[CONTINUA]

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