A manhã nasceu tranquila,
silenciosa e iluminada – de um jeito que só o amanhecer após uma longa nevasca
consegue ser. A sala de estar permanecia aquecida pela lareira quase apagada, e
a árvore de natal piscava com as luzes suaves. Taylor abriu os olhos
lentamente, num estado de confusão sútil – o calor no peito, um peso confortável
sobre ela e um cheiro amadeirado com uma pele quente.
E então ela percebeu que estava
deitada no colo de Thomas e que passaram a noite juntos daquela forma. Não como
quem adormece sobre alguém por acidente, mas como quem finalmente encontra um
refúgio que nem sabia que buscava. O braço dele a envolvia numa proteção
silenciosa, e o peito subia e descia num ritmo calmo. O rosto dele estava
parcialmente encostado nos cabelos dela, e os dedos — ainda entrelaçados a uma
mecha sua — indicavam que ele também dormira daquela forma, profundamente.
Taylor ergueu o rosto devagar.
Thomas sentiu o movimento e abriu os olhos, primeiro devagar, depois com
reconhecimento — e um sorriso que ele não tentou conter. Ele puxou-a novamente
para perto, fechou os olhos e alisou-a com as pontas de seus dedos como se não
quisesse acordar daquela realidade.
— Thomas... — Taylor chamou-o como
um sussurro perto de seu ouvido. — Preciso me levantar.
— Não precisa, é sábado. — ele
respondeu, sereno. — Você não tem um dia de descanso?
— Descanso? — riu. — não me lembro
da última vez.
— Poderíamos passar o dia sem fazer
nada. — ele deu um selinho rápido. — bem assim...
Taylor corou, mas não se afastou
imediatamente. O calor residual do corpo dele era um convite perigoso demais. Antes
que dissesse qualquer coisa, ouviram passos suaves no piso superior – era Andrea,
levantando-se sozinha.
— Preciso ajudar a minha mãe! —
Taylor disse, levantando-se rapidamente.
Thomas assentiu, passou a mão no
seu cabelo e se levantou e foi para a cozinha. Encheu a chaleira de água e
começou os preparativos para o café da manhã. Em poucos minutos, Taylor desceu
acompanhada por sua mãe.
— Bom dia, Tom... — Andrea sorriu. —
Caíram da cama logo cedo?
Ambos trocaram olhares, não
responderam.
— Pergunto por que as camas de vocês
já estão arrumadas... — ela justificou, com um tom malicioso.
— Na verdade, eu acabei adormecendo
aqui na poltrona. — Thomas respondeu. — E Taylor me acordou quando foi...
— Buscar mais lenha... — ela
completou, sorrindo.
Andrea arqueou uma sobrancelha com
uma tranquilidade que deixava Taylor ainda mais corada. Junto com Thomas,
Andrea ajudou-o a preparar o café da manhã – panquecas, torradas e algumas
frutas que estavam na dispensa, enquanto isso, Taylor pôs a mesa.
O dia seguiu com uma naturalidade
inesperada. Trabalharam juntos para limpar parte do quintal, recolher lenha.
Entre um gesto e outro, havia risos curtos, conversas suaves e aquele tipo de
silêncio tranquilo que só existe entre pessoas que se sentem, aos poucos,
seguras uma com a outra.
Em certo momento, Taylor o observou
enquanto ele amarrava o feixe de lenha.
— Estou fazendo certo? — ele
questionou, com receio.
— Sim, sim... — ela respondeu,
ainda distraída. — na verdade, estava pensando em outra coisa...
— Sobre ontem a noite? — Thomas
aproximou-se.
Antes que Taylor respondesse, Andrea
apareceu no alpendre, com seu robe azul e os cabelos grisalhos presos. Apoiou na
cerca e olhou para o céu com um sorriso.
— Viram que a nevasca cessou? — disse
alegre.
— Quem diria... — Thomas
respondeu-a. — É bom que posso adiantar o telhado do celeiro e arrumar a cerca
dos fundos.
— Oh, pare com isso. — Andrea
chamou sua atenção. — Tenho outra coisa em mente, daqui há três dias é natal e
nem começamos pensar em nada.
— Como assim, mamãe? O que tem em
mente?
— Aproveitem que o tempo está ao
nosso favor e vão ao centro da cidade comprar os ingredientes para que possamos
fazer nossa ceia de natal. Estou terminando a lista... — ela disse, animada. —
E comprar presentes para trocarmos.
— Presentes? — Thomas questionou,
surpreso.
— É claro. Vamos trocar presentes. —
Andrea respondeu. — Ou tem outro plano?
Taylor olhou-o quieta, sentia medo
do que ele pudesse responder ao lembrar do combinado que fizeram em esperar a
nevasca passar. Ele a olhou, sereno e sorriu.
— Bom, meus planos são os que vocês
decidirem.
— Ótimo! — Andrea celebrou. — Vão
se arrumar, enquanto termino de elaborar a lista. Acho de bom gosto neste ano
termos algo inglês para Thomas, acho que vou testar minha receita de beef
wellington.
— Não ironicamente, eu adoro e domino
esse prato. — Thomas respondeu, deixando seu sotaque parecer. — Eu e minha irmã
costumávamos fazer com minha avó, era o favorito dela também.
— Hum... então você vai ficar responsável
por comprar os ingredientes dessa receita. Teremos também peru... — ela anotava
em um papel. — batatas assadas, vou fazer torta de abobora e Taylor poderá fazer
as especialidades dela, hein, querida...
— Qual é sua especialidade? —
Thomas perguntou, curioso.
— Cookies. — Andrea respondeu. —
Ela faz os melhores cookies e ainda personaliza.
— Faz tempo que eu não faço essas
coisas. — Taylor disse, não tão animada.
— Mas quem sabe não esquece.
— É, mas eu não sei se... — Taylor
suspirou. — Precisa de tudo isso?
— Sim, Taylor, precisamos. — sua
mãe foi firme. — É natal, só celebramos uma vez por ano... não pode ser
especial!?
Taylor balançou a cabeça
concordando, sem expressar nenhuma palavra. Foi para seu quarto escolher alguma
roupa e tomar seu banho; Thomas conversou com Andrea sobre a extensa lista de
ingredientes necessários, ele foi até o quarto dos hospedes, fechou a porta e
na escrivaninha, abriu a pasta que deixara ali nos últimos dias – o fantasma
que o perseguia.
Por um instante, ficou parado, como
se a pasta tivesse peso suficiente para ancorá-lo ao chão. Ele a abriu. As
primeiras páginas eram relatórios internos, impressões de e-mails, memórias de
reuniões. Os termos familiares saltavam aos seus olhos: “conflito de interesse”
e "uso indevido de posição hierárquica”.
Thomas fechou a mandíbula, sentindo
o nervo à altura do maxilar pulsar.
Virou mais uma página: “Solicitar reavaliação da propriedade por possível
favorecimento. Reaver o imóvel, se possível”.
Thomas respirou fundo, guardou a
pasta sob a cama e se endireitou.
Antes de sair do quarto, olhou-se
rapidamente no espelho. O homem refletido tinha olheiras, barba por fazer e uma
expressão endurecida por decisões que ele não podia desfazer, mas havia também
uma suavidade nova — trazida pelo riso dela, pelo toque leve, pelo jeito como
ela disfarçava quando o observava, achando que ele não percebia.
Depois encontraria um jeito de
encarar tudo aquilo.
Thomas pegou seu casaco, respirou
fundo e saiu para encontrá-las.
Andrea estava na cozinha com a
lista em mãos. Taylor descia as escadas ajeitando seu cabelo solto e com os cachos
naturais, com um suéter creme, calças jeans e botas – bonita de um jeito que
parecia não perceber.
— Você dirige ou eu dirijo? —
Thomas questionou, mostrando a chave.
— O carro é seu, melhor que dirija.
— Taylor respondeu.
— Isso! — Thomas celebrou. — Eu deixaria
você dirigir à vontade, mas eu adoro uma estrada... confesso que estou com
saudade de dirigir.
Eles foram para a garagem
improvisada por Thomas, onde guardou seu Volvo XC90 preto que reluzia como um
animal elegante no meio da neve acumulada — totalmente destoante da paisagem
rural.
Thomas abriu a porta do passageiro
para Taylor que entrara e surpreendeu-se ainda mais com o carro por dentro – os
bancos de couro, o cheiro do perfume de Thomas preso dentro do carro durante
todos aqueles dias.
A estrada até o centro carregava o
brilho branco que só os dias pós-neve tinham. O rádio tocava músicas natalinas e
Thomas cantarolava algumas – admitindo gostar das canções temáticas, e por
alguns minutos eles ficaram em silêncio confortável, como se ainda estivessem
digerindo a noite anterior.
O carro de Thomas era impecável,
brilhando mesmo sob a neve — parecia um intruso no pequeno centro da cidade,
onde caminhonetes antigas e carros simples eram comuns.
Quando o Volvo preto deslizou pela
rua principal do centro — limpa apenas o suficiente para permitir a passagem
dos carros. As pessoas viraram o rosto quase ao mesmo tempo. Não era comum ver
um veículo tão sofisticado por ali; muito menos um homem alto, de postura
confiante e casaco bem cortado descendo do carro ao lado da filha de Scott
Swift – como a chamavam.
Algumas mulheres que saíam da
padaria acenaram discretamente para Taylor, mas logo passaram a olhar Thomas de
cima a baixo, tentando encaixá-lo mentalmente em algum lugar daquela cidade –
ele era charmoso demais para ser dali.
— Acho que fomos notados… — Thomas
murmurou ao se aproximar de Taylor, que apertou a lista de compras entre os
dedos.
— Cidade pequena.
Mas a verdade era outra. Elas
cochichavam e eles também.
E Taylor sentiu o peso desses
olhares.
Caminharam em direção ao mercado.
Nele, as portas de vidro se abriram, soltando um cheiro reconfortante de
canela, pinheiro e café recém-moído. Assim que entraram, uma senhora baixinha
passou por eles com um carrinho e lançou um olhar curioso.
— Taylor? — chamou, sorrindo. — Faz
tempo que você não aparece, querida. Está sumida.
— É… o inverno está difícil — ela
respondeu, forçando um sorriso.
A mulher então virou os olhos para
Thomas com uma expressão que misturava curiosidade, surpresa e alguma conclusão
precipitada.
— E esse moço…?
— Thomas Hiddleston, senhora. — ele
sorriu educado e ofereceu a mão.
— Seu namorado? — indagou, curiosa.
Thomas piscou para a senhora e conduziu
Taylor pela cintura para um dos corredores sem sequer pensar em respondê-la,
mas pensou que até que soube ignorá-la com certo respeito.
Eles seguiram corredor adentro, mas
os sussurros os acompanharam.
"Ela está com ele?"
"Mas o pai dela… você sabe…
devendo para o banco…"
"Ele é bonito, mas… estranho,
não é?"
"Será que eles…?"
Taylor mantinha o queixo erguido,
mas Thomas via cada músculo de sua expressão pedindo abrigo.
Enquanto escolhiam batatas, ela
empilhava mais do que precisava, distraída.
— Você pegou um saco inteiro para
três pessoas — Thomas comentou, gentil.
— Ah… sim — ela murmurou, largando
as batatas. — Desculpe. Eu só… ignore.
— Taylor, eu estou aqui. — ele
disse calmamente, tocando sua cintura de maneira instintiva para trazê-la de
volta ao presente.
Ela fechou os olhos por um segundo.
Era quase doloroso o quanto aquele toque significava.
— Não posso esquecer das aboboras e
farinha de trigo. — Taylor comentou, na tentativa de demonstrar que não a
balava.
Thomas sorriu e a acompanhou pelo
mercado, ele carregava as duas cestas cheias de itens, enquanto seguia Taylor. As
pessoas ainda insistiam em olhá-lo com certa admiração a situação que inventam
em suas mentes, fingiam querer falar com Taylor para arrancar alguma confissão
dela, mas ela mantinha-se firme – e aquilo era o que ele admirou nela desde o
primeiro dia.
No caixa, Thomas pagou antes que
Taylor pensasse em pegar na sua carteira e, num ato de ousadia, ordenou que a
caixa ficasse com o troco. Pegou as sacolas e saiu do mercado ao lado de
Taylor.
No lado de fora, as pessoas ainda
olhavam.
— Melhor irmos embora... — Taylor
comentou.
— Ah, não... — ele disse, caminhando
em direção ao carro. — Iremos deixar as compras no carro e vamos atrás dos
presentes. Já estamos aqui mesmo, vamos só... aproveitar.
— Você não se incomoda com...
— Não, desde que eu possa ficar ao
seu lado. — Thomas respondeu, sorrindo.
— Eles obviamente te reconheceram,
Thomas.
— E? Vou deixar de aproveitar esse
momento ao seu lado porque eles me reconheceram?
Ele abriu o porta-malas e colocou
as sacolas, virou-se para Taylor.
— Se quiser, podemos ir agora e dar
para eles munição para falarem, mas podemos ficar e mostrar que não nos
importamos.
Ela assentiu e voltaram a caminhar
na calçada olhando e comentando sobre o que viam nas vitrines. Em uma pequena
boutique de presentes natalinos, Taylor chamou Thomas para entrar.
Taylor se interessou por algumas
decorações natalinas e mostrava para Thomas, eles trocavam diferentes itens que
encontravam.
Mas naquele momento, o destino
decidiu testar seus nervos.
A voz e a gargalhada que escutara
no final do corredor era familiar demais para fingir que não. Ela congelou
antes mesmo de virar para olhá-lo.
Era Joe, seu ex-namorado. Uma parte
de sua história que ela desejava que ficasse enterrada junto ao gelo da
fazenda.
O mesmo casaco escuro, mesmo jeito
de inclinar a cabeça… e os mesmos olhos que um dia prometeram mundos e depois
deixaram apenas dúvidas.
Os olhos dele a encontraram antes
que ela pudesse desviar.
Por um segundo, o mundo pareceu
estreitar até caber apenas nos olhos dos dois.
Mas ele a ignorou. E aquilo doeu
mais do que qualquer discussão poderia.
Taylor ficou ali, completamente
imóvel, segurando a fita entre os dedos como se ela fosse impedir seu coração
de quebrar de novo.
Thomas percebeu na mesma hora e sem
dizer nada, colocou a mão na cintura dela — um gesto firme, protetor, mas
respeitoso – apenas o suficiente para que Taylor sentisse que não estava mais
sozinha.
— Isso é bonito. — Thomas disse,
baixinho, apontando para a fita só para dar a ela uma desculpa para desviar a
atenção.
— É… — Taylor respondeu, ainda com
a voz fraca. — Nem sei por que peguei.
E então, sem aviso, ele colocou a
mão sobre a dela, que segurava a fita.
— Vamos levar isso também. — Thomas
disse, sorrindo.
Mas, do outro lado da loja, Joe
observava — com uma expressão dura, queria soar indiferente, mas não conseguia.
O resto das compras se arrastou
entre pequenas conversas, sorrisos forçados e tentativas de Thomas de aliviar o
ambiente. Ele a guiava sempre com a mão na cintura ou nas costas, como se
quisesse protegê-la de cada olhar que pousava sobre ela.
E, apesar de tudo, havia conforto
ali.
Quando terminaram, Thomas percebeu
que ela estava pálida, com as mãos frias demais para o frio que fazia.
— Vamos tomar um chocolate quente?
— ele sugeriu. — A gente tem tempo.
Ela hesitou, mas finalmente
assentiu.
No pequeno café da esquina,
sentaram-se perto da janela. O vapor dos chocolates quentes subia entre eles
como uma névoa morna.
O café era pequeno, acolhedor,
iluminado por lâmpadas âmbar que pendiam do teto como pequenas lanternas. Do
lado de fora, o vento frio arrastava flocos soltos sobre o vidro da janela, mas
ali dentro o ar era quente e cheirava a chocolate, baunilha e pão recém-assado.
Thomas puxou a cadeira para Taylor
antes de se sentar em frente a ela — gesto simples, mas que fez seu estômago
apertar de um jeito que não era exatamente desconforto.
Quando as duas xícaras chegaram, o
vapor subiu entre eles — quente, doce, quase íntimo.
Por alguns instantes, ficaram em
silêncio. Um silêncio que não era vazio.
E então Thomas falou, com aquela
voz baixa que parecia capaz de aquecer até o frio preso no peito dela:
— Você não precisa me dizer nada,
Taylor. Mas eu… percebi que ficou mal. Com tudo isso.
Ela manteve os olhos na xícara,
passando o dedo na borda como se tentasse ordenar os próprios pensamentos.
— Eu estou… eu estou bem — ela
mentiu, oscilando a voz.
Nos lábios de Thomas surgiu um meio
sorriso — gentil, compreensivo, quase triste.
— Você sabe que eu já consigo
perceber quando você diz isso só para não preocupar alguém — disse,
inclinando-se na mesa.
Taylor mordeu o lábio inferior.
A defesa dela desmoronava fácil
demais quando ele falava daquele jeito.
— É sobre… voltar para cá. Sobre
ter ido embora, tentando seguir com a vida, e depois… voltar porque eu
precisei. E tudo que estava mal resolvido ficou me encarando de novo.
Ela apertou a xícara entre os
dedos.
— E quando eu achava que nada mais
poderia me machucar, eu encontro as pessoas falando do meu pai, e depois… —
seus olhos baixaram.
O ambiente inteiro pareceu se
estreitar ao redor deles — a mesa pequena, o calor do café, o aroma doce, a luz
âmbar refletida nos olhos dela.
Taylor tocou a xícara, depois a
mesa, depois, hesitante, seus dedos escorregaram em direção aos de Thomas. Seus
dedos roçaram nos dela por um instante que pareceu muito mais longo do que era.
— Melhor voltarmos para casa... —
disse ela, por fim.
A volta para casa aconteceu envolta
por um silêncio que não era constrangedor, mas era o tipo de silêncio que se
forma quando duas pessoas querem dizer algo, mas têm medo do que pode
acontecer se falarem.
Thomas dirigia devagar pelas ruas
brancas, atento à estrada, mas não tirava completamente o olhar dela. Taylor,
por sua vez, mantinha as mãos entrelaçadas sobre o casaco, o rosto voltado para
a janela, observando a neve cair fina.
Em certo momento, Thomas arriscou:
— Se eu disse alguma coisa errada…
se eu deixei você desconfortável…
Ela balançou a cabeça antes que ele
pudesse continuar.
— Não foi você. — Sua voz saiu
baixa, mas firme. — Eu só… me perdi um pouco dentro da minha própria cabeça.
— Você não precisa falar sobre isso
agora — ele disse, suave. — Só… quero que saiba que estou aqui.
Taylor finalmente desviou o olhar
da janela.
Havia algo terno demais na maneira
como ele disse aquilo.
— Eu sei — ela respondeu quase num
sussurro.
E isso bastou, porque naquela única
frase, ela admitia uma confiança que não demonstrava a quase ninguém.
Quando chegaram à fazenda, o céu já
começava a escurecer, tingindo a neve de azul profundo. O motor foi desligado,
e o silêncio se adensou ainda mais.
Taylor tirou o cinto com movimentos
lentos.
— Eu vou… até o celeiro — ela
disse, sem olhar para ele. — Só um pouco. Preciso… respirar.
Ele assentiu.
— Tudo bem. Se precisar de mim…
estou aqui dentro.
Ela agradeceu com um movimento
pequeno de cabeça e saiu.
Thomas ficou a observá-la
atravessar o quintal, o casaco balançando sob o vento leve, até que ela
desapareceu pelas portas altas do celeiro. A luz lá dentro acendeu alguns
segundos depois.
Sozinho, ele carregou as compras
para dentro da casa, onde Andrea organizava a cozinha. Ela olhou-o com
estranheza.
— Cadê a Taylor?
— No celeiro. Quis ficar sozinha.
Andrea soltou um suspiro pesado. Um
suspiro que dizia que aquilo não era surpresa alguma.
— Aconteceu algo no centro?
Encontraram alguém?
— Bom, as pessoas falaram...
comentários maldosos sobre a situação. — ele coçou a barba. — mas foi um cara
que a incomodou. — ele franziu o cenho. — eu vi que ela mudou totalmente.
— Como ele era? — Andrea questionou,
como se já soubesse a conversa.
— Era loiro...
— Joe! — Andrea disse, brava. — Já
imaginava...
— Quem é ele?
— Joe é o ex-namorado de Taylor. Eles
foram namorados por anos. — Andrea suspirou. — Eles foram para a faculdade
juntos. Tinham planos, sonhos grandes. Ele jurava amor eterno para ela, fazia
promessas… E então… o pai dela morreu — Andrea continuou, a voz baixa, séria. —
E tudo desmoronou. Ela largou tudo e voltou para cá porque eu estava sozinha,
porque a fazenda estava caindo aos pedaços, porque o pai dela tinha deixado
coisas para resolver… e porque ela estava de luto. Perdida. Sem chão.
Thomas engoliu seco.
Andrea prosseguiu:
— E sabe o que o Joe fez? — A voz
dela ficou amarga. — Deixa-a aqui sozinha por semanas, ele sumiu. Depois, terminou
com ela por telefone. Disse que “não podia carregar o peso de alguém quebrada”...
que tinha que focar nos estudos dele...
A palavra quebrada atingiu
Thomas como um tiro direto ao peito.
O ar pareceu sair do ambiente.
Andrea largou algumas sacolas na
pia e voltou sua atenção para Thomas, estava séria.
— Eu sempre gostei de você, Tom.
Acho você um bom rapaz, mas eu quero que você me ouça com muita atenção. — ela
aproximou-se. — Sou grata a tudo que fez por mim e pela minha família, mas não
sou boba. Eu vejo como você olha para a Taylor e, ainda pior, também vejo a
forma como ela te olha... não a machuque.
— Não farei isso.
— Você pode ter essa casa, pode pensar
em fazer o que quiser. E sair daqui, não deverá nada para nós, mas não magoe
minha filha. Eu não permitirei que você faça isso!
— Eu vou cuidar dela — ele disse
por fim. — Eu prometo.
— Seja honesto com ela, só isso.
Ele concordou e, em silêncio, os
dois guardaram as compras. Andrea serviu chá para ambos e depois subiu para seu
quarto.
Thomas olhou pela janela da cozinha
a luz do celeiro ligada, suspirou por não conseguir fazer nada, pois não queria
invadir o espaço de Taylor.
Já o celeiro estava silencioso
quando Taylor entrou. Um silêncio tão grande que parecia absorver até a
respiração dela.
Ela acendeu apenas a lâmpada fraca
próxima à bancada de ferramentas. A luz amarelada mal alcançava o centro do
espaço, deixando o restante em sombras, com o cheiro de madeira úmida, feno
frio e um leve toque de graxa no ar.
Ela caminhou até a porta dos fundos
e sentou-se no banco antigo de madeira, o mesmo onde o pai se sentava para
afiar ferramentas. Ali, abraçou os joelhos e finalmente deixou o que estava
preso dentro dela sair — em silêncio.
Não chorou alto. Taylor nunca
chorava alto.
Mas o que sentiu era pesado demais:
A humilhação de ver Joe seguir com
a vida como se ela fosse um capítulo descartável.
A dor de imaginar que talvez fosse
mesmo “peso” demais para alguém.
A raiva de si mesma por ainda se
abalar.
E a culpa — sempre a culpa — por
ter parado sua vida inteira.
A neve batia fraca nas paredes do
celeiro, e o mundo parecia muito longe.
Taylor ficou lá por longas horas,
até o sol desaparecer completamente. Quando voltou para dentro de casa, a
cozinha estava escura, exceto por uma luz suave vinda do corredor.
Andrea já dormia e a casa estava
quieta, mas o quarto de hóspedes não.
Thomas acabara de tomar um banho
quente, secou seu corpo e seu cabelo. Vestiu sua calça de moletom e sentou-se
na cama com os documentos em mãos.
As palavras eram duras. Encarando
aquele papel à luz amarelada do abajur, ele parecia mais vulnerável do que
nunca.
Ele guardou os papéis com um
suspiro frustrado, tirou a camisa e a jogou sobre a cadeira, passando a mão
pelo rosto cansado.
Mas então ouviu um som suave, como
quase nada. Um roce tímido de dedos contra a madeira da porta.
Thomas ergueu o olhar e quando a
porta se abriu devagar, Taylor apareceu.
Ela estava parada no batente,
iluminada apenas pelo corredor. Os cabelos um pouco desgrenhados e o um pouco
rosto cansado. Os olhos vulneráveis de um jeito que ele nunca tinha visto.
Taylor observava Thomas sem camisa –
primeira vez que via seu corpo daquela forma. Só ficou ali, respirando como
quem tenta se convencer de que não está fazendo algo impulsivo.
— Taylor…? Aconteceu alguma coi...
Ela balançou a cabeça devagar.
E depois deu um passo para dentro
do quarto.
A voz saiu pequena, trêmula, mas
firme o suficiente para quebrar todos os silêncios que carregavam desde a
cidade:
— Você pode… ficar comigo hoje?
Thomas travou – não por dúvida, mas
porque aquilo atingiu seu coração como um pedido que ele não esperava ouvir tão
cedo.
Ela engoliu seco, tentando
explicar, sem saber como:
— Eu não quero estar sozinha. Não
depois de hoje. Não… não agora. Eu só quero dormir perto de você. Só isso.
E foi ali, naquele “só isso”, que
significava tanto. Foi quando Thomas percebeu que aquele laço entre eles não
era mais algo leve, nem passageiro.
Ele se aproximou devagar, como se
chegasse perto de um animal ferido que confiava nele pela primeira vez.
Ergueu a mão e tocou seu rosto com
extremo cuidado.
— Claro que pode. — sua voz veio
quase num sussurro. — Eu estou aqui.
Ela caminhou até ele devagar, cada
passo era uma entrega silenciosa. Tocou em seu peitoral nu, olhando-o nos olhos.
Então, entrou sob os edredons, encolhendo-se no canto como se ainda tivesse
medo de invadir o espaço dele.
Thomas se deitou ao lado, deixando
um espaço respeitoso, até que ela respirou fundo, virou de lado e procurou o
peito dele com a cabeça, num gesto tão simples quanto devastador.
Ele a acolheu imediatamente,
envolvendo-a com o braço e puxando-a para mais perto.
Taylor suspirou contra sua pele, um
suspiro que parecia dizer: finalmente.
E ali, naquela quietude absoluta, o
mundo parou.
[CONTINUA]

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