Nos
últimos dois dias, Selena passara deitada em sua cama – quase imóvel, sendo
consumida pela sua mente que não parava de gritar traição. Selena havia
sido traída por seu pai, por Abel e pelos seus instintos. A raiva, vergonha e
tristeza também a consumia por inteiro. A cada ponto, esse caso dava um nó.
Ela
virou para o lado da parede e se encolheu ainda mais. Do que deveria tanto
lembrar daquela noite? Qual era o segredo de que ninguém conta? O que aconteceu
no baile de inverno? Sua impotência a deixava ainda mais cabisbaixa, ela não conseguia
lembrar de nada.
Bateram
duas vezes na sua porta, um toque leve e amigável. Tão singelo que Selena sabia
que era seu pai, mais uma vez tentando alcançá-la com uma bandeira branca
pedindo trégua de uma guerra que somente Selena parecia lutar. Ela não se
moveu, mas diferente das outras vezes, ele abriu e entrou em seu quarto.
—
Filha, não fique assim...
—
Estou bem, pai, acredite, estou bem. — respondeu sem ânimo.
—
Phillip Hart não é nada além do vizinho ao lado, não o conheço, mas conhecia o
sr. Tesfaye o suficiente para dizer que aquele homem sabia o que fazia. Se ele
confiava em Phillip para deixar tudo, também deixou meus serviços.
—
Papai... — Selena o chamou, virando-se para ele. — Como pôde acreditar nele?
—
Porque eu não trabalho com teorias, eu busquei algumas informações quando me
reuni ao Phillip Hart depois daquele dia e Abel mentiu para nós. Ele realmente
estava na cidade, mas não veio de trem, veio de ônibus. Achei que gostaria de
saber isso. — seu pai entregou-o um papel. — Aí está a cópia da passagem de
Abel, também vi a câmera de segurança na rodoviária, mas não pude pegá-las, mas
a polícia fará isso.
— A polícia? Você contou a polícia?
— Selena, isso é uma pista valiosa.
— Você está a favor de quem? Do
Phillip Hart? — Selena aumentou o tom de voz soando raivosa com toda a situação.
— Do que você tem tanta raiva? O que o Abel fez para você?
— Oras, não seja tola, Selena. Eu
disse à polícia por que eu investiguei por conta e não queria ser prejudicado
por isso, não tive escolha. Eu gosto de Abel, sempre gostei.
— E o baile de inverno?
— Baile de inverno? — questionou
confuso. — Qual baile de inverno?
— O meu baile de inverno. O que
aconteceu naquela noite que o fez sentir raiva do Abel e dos meninos durante o
verão.
— Você deveria lembrar do baile de
inverno. — ele riu. — Bom, eu os denunciei algumas vezes, de fato. Mas foi
porque eles inventaram um boato sobre você ter sumido, foi o próprio Abel quem me
contou um dia chateado.
— Como assim? Qual boato?
— Um boato sobre você ter se mudado
naquele verão, quando se mudou para Minnesota porque sua avó ficou doente, aqui
eles inventaram uma história sobre eu ter internado você em uma clínica de reabilitação
e... — ele suspirou. — como eu fiquei bravo com aquela história. E foi Abel
quem me contou que falavam isso e eu fiquei bravo, mas tão bravo que qualquer
festa que eles davam, eu denunciava...
Seu pai sentou-se na cama e abaixou a
cabeça pensativo, Selena abraçou-o forte e beijou seu braço. A paz estava
selada entre eles.
— Papai... você nunca me contou...
— E como faria isso? Você foi embora
chateada naquele dia e estava com tanta vergonha do que houve... quando eu te
vi... — ele se calou. — mas já passou, faz cinco anos... por que perguntou sobre
isso?
— Bom... por nada, apenas encontrei
uma pessoa que falou sobre isso e eu... eu duvidei do senhor porque eu fiquei
brava quando vi Phillip Hart aqui. Eu não gosto daquele.
— Nem eu, mas eu tenho uma função a
cumprir, eu prometi ao sr. Tesfaye. — ele sorriu. — você realmente pensou que
eu não gostava de Abel? Oh, Selena, por favor.
Ambos riram.
Seu pai levantou-se e deu um aviso
sobre o jantar e foi nesse exato momento que Selena lembrou que não comia nada
há pouco mais de um dia – seu estomago roncava e seu cérebro ainda refletia
sobre o que poderia ter acontecido no baile de inverno. Naquela noite aconteceu
algo que seu pai não conseguiu preencher as lacunas do apagão de sua primeira e
única intensa bebedeira.
***
— O que faz aqui?
— Você não é de receber muitas
visitas... — riu, em tom irônico.
— Abel, saia da defensiva, pois quero
te fazer um acordo. Eu pago sua fiança e você respondera em liberdade, é isso
que o seu pai gostaria que eu fizesse por você neste momento, mas em troca,
você fará o que é certo: assume o que fez?
— Você só pode estar louco. — Abel
gargalhou de forma assustadora. — Louco, louco!
— É o que seu pai gostaria, você sabe...
Depois daquela tarde, é o certo a ser feito.
— Você estava lá naquela tarde? O que
sabe?
— Sei muito, ao menos do que foi dito
por você.
— Pagar minha fiança para que eu
assuma um crime que não cometi? Como é isso? — Abel balançou a cabeça inconformado.
— Jamais farei isso, ainda mais agora que sei que há alguma coisa que escondem.
Não vou desistir. Não vou!
— Sinta-se à vontade para lutar, mas
você vai perder. De qualquer forma, você perderá!
Abel levantou-se bruscamente, balançando
as algemas que seguram suas mãos e sua ira. Foi tomado com força pelos guardas
e levado até a sua cela. Andava de um lado para o outro sem saber o que fazer.
***
Selena recebera a visita de Bella, que
chorava incansavelmente a cada vez que o nome de Abel era citado – e citava seu
nome o tempo inteiro. Após duas horas da visita, Selena não conseguia disfarçar
simpatia, mas hora ou outra, Bella dizia algo que era de interesse de Selena.
— E ainda... — disse fungando o nariz.
— não quer nenhuma visita. Nem a minha!
Que Abel não aceitara o pedido de
visita da Selena, a magoou, porém saber que nenhuma visita era bem-vinda neste
momento a deixava ainda mais pensativa.
— Bella, você está muito abalada... —
Selena sorriu. — Diga-me, quando foi que vocês voltaram a se encontrar dessa
forma. Eu... eu não entendi... vocês estavam juntos?
— Abel e eu? Ah, Selena, não finja que
não sabe que somos um vai e volta, é normal para nós, mas nos amamos
intensamente. Bom, a verdade é que fazia alguns anos que não encontrava Abel,
mas há um ano nos encontramos ao acaso da vida em uma boate aqui em NY, e o
resto é história... Fizemos algo a distância, mas ele vinha com frequência à
cidade e passamos finais de semanas juntos, algumas férias... Ah, foi incrível o
último ano!
— Espere! Abel frequentou NY no último
ano?
— É claro, ele sempre estava por aqui
aos finais de semana. Sempre o busquei na estação.
— E ele se hospedava com você?
— A maioria das vezes, mas outras ele ficava
em sua casa. Quase sempre quando seu pai não estava presente, o velho sempre
tinha viagens, tratamentos... raros os momentos que entrei lá.
Selena ficou quieta, pensativa sobre o
que Bella afirmara. Era difícil acreditar que Abel frequentava New York sem que
ela soubesse, ela não fazia ideia. E ainda ficava em sua casa? Selena nunca o viu
sem ser nos dias comemorativos, ainda quando ele comparecia.
De fato, Abel mentiu para ela muitas
vezes. E seu coração que negava toda vez que ele seria capaz de algo assim.
— Bella, ele nunca... falou de mim?
— De você? É claro, disse que te
visitara nos dias que vinha para cá.
— Isso nunca aconteceu...
— Como?
— Abel nunca me visitou, nunca imaginaria
que ele estivesse pela cidade. Nunca o vi.
Bella se calou, engoliu a seco suas
palavras, pois Abel também mentiu para ela. E talvez... talvez tenha falado
demais.
— É melhor eu ir... — enxugou suas lágrimas.
— Obrigada, Selena, pelo apoio...
Bella foi mais rápido do que chegou de
supetão na casa de Selena. Quando Selena abriu a porta para sua saída, olhou
para a casa dos Tesfaye e pensou que Phillip Hart estava certo: Selena não
sabia de absolutamente nada.
[CONTINUA]
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