26 junho 2024

O crime da Delancey Street | 06° Capítulo.

Nos últimos dois dias, Selena passara deitada em sua cama – quase imóvel, sendo consumida pela sua mente que não parava de gritar traição. Selena havia sido traída por seu pai, por Abel e pelos seus instintos. A raiva, vergonha e tristeza também a consumia por inteiro. A cada ponto, esse caso dava um nó.

Ela virou para o lado da parede e se encolheu ainda mais. Do que deveria tanto lembrar daquela noite? Qual era o segredo de que ninguém conta? O que aconteceu no baile de inverno? Sua impotência a deixava ainda mais cabisbaixa, ela não conseguia lembrar de nada.

Bateram duas vezes na sua porta, um toque leve e amigável. Tão singelo que Selena sabia que era seu pai, mais uma vez tentando alcançá-la com uma bandeira branca pedindo trégua de uma guerra que somente Selena parecia lutar. Ela não se moveu, mas diferente das outras vezes, ele abriu e entrou em seu quarto.

— Filha, não fique assim...

— Estou bem, pai, acredite, estou bem. — respondeu sem ânimo.

— Phillip Hart não é nada além do vizinho ao lado, não o conheço, mas conhecia o sr. Tesfaye o suficiente para dizer que aquele homem sabia o que fazia. Se ele confiava em Phillip para deixar tudo, também deixou meus serviços.

— Papai... — Selena o chamou, virando-se para ele. — Como pôde acreditar nele?

— Porque eu não trabalho com teorias, eu busquei algumas informações quando me reuni ao Phillip Hart depois daquele dia e Abel mentiu para nós. Ele realmente estava na cidade, mas não veio de trem, veio de ônibus. Achei que gostaria de saber isso. — seu pai entregou-o um papel. — Aí está a cópia da passagem de Abel, também vi a câmera de segurança na rodoviária, mas não pude pegá-las, mas a polícia fará isso.

— A polícia? Você contou a polícia?

— Selena, isso é uma pista valiosa.

— Você está a favor de quem? Do Phillip Hart? — Selena aumentou o tom de voz soando raivosa com toda a situação. — Do que você tem tanta raiva? O que o Abel fez para você?

— Oras, não seja tola, Selena. Eu disse à polícia por que eu investiguei por conta e não queria ser prejudicado por isso, não tive escolha. Eu gosto de Abel, sempre gostei.

— E o baile de inverno?

— Baile de inverno? — questionou confuso. — Qual baile de inverno?

— O meu baile de inverno. O que aconteceu naquela noite que o fez sentir raiva do Abel e dos meninos durante o verão.

— Você deveria lembrar do baile de inverno. — ele riu. — Bom, eu os denunciei algumas vezes, de fato. Mas foi porque eles inventaram um boato sobre você ter sumido, foi o próprio Abel quem me contou um dia chateado.

— Como assim? Qual boato?

— Um boato sobre você ter se mudado naquele verão, quando se mudou para Minnesota porque sua avó ficou doente, aqui eles inventaram uma história sobre eu ter internado você em uma clínica de reabilitação e... — ele suspirou. — como eu fiquei bravo com aquela história. E foi Abel quem me contou que falavam isso e eu fiquei bravo, mas tão bravo que qualquer festa que eles davam, eu denunciava...

Seu pai sentou-se na cama e abaixou a cabeça pensativo, Selena abraçou-o forte e beijou seu braço. A paz estava selada entre eles.

— Papai... você nunca me contou...

— E como faria isso? Você foi embora chateada naquele dia e estava com tanta vergonha do que houve... quando eu te vi... — ele se calou. — mas já passou, faz cinco anos... por que perguntou sobre isso?

— Bom... por nada, apenas encontrei uma pessoa que falou sobre isso e eu... eu duvidei do senhor porque eu fiquei brava quando vi Phillip Hart aqui. Eu não gosto daquele.

— Nem eu, mas eu tenho uma função a cumprir, eu prometi ao sr. Tesfaye. — ele sorriu. — você realmente pensou que eu não gostava de Abel? Oh, Selena, por favor.

Ambos riram.

Seu pai levantou-se e deu um aviso sobre o jantar e foi nesse exato momento que Selena lembrou que não comia nada há pouco mais de um dia – seu estomago roncava e seu cérebro ainda refletia sobre o que poderia ter acontecido no baile de inverno. Naquela noite aconteceu algo que seu pai não conseguiu preencher as lacunas do apagão de sua primeira e única intensa bebedeira.

***

— O que faz aqui?

— Você não é de receber muitas visitas... — riu, em tom irônico.

— Abel, saia da defensiva, pois quero te fazer um acordo. Eu pago sua fiança e você respondera em liberdade, é isso que o seu pai gostaria que eu fizesse por você neste momento, mas em troca, você fará o que é certo: assume o que fez?

— Você só pode estar louco. — Abel gargalhou de forma assustadora. — Louco, louco!

— É o que seu pai gostaria, você sabe... Depois daquela tarde, é o certo a ser feito.

— Você estava lá naquela tarde? O que sabe?

— Sei muito, ao menos do que foi dito por você.

— Pagar minha fiança para que eu assuma um crime que não cometi? Como é isso? — Abel balançou a cabeça inconformado. — Jamais farei isso, ainda mais agora que sei que há alguma coisa que escondem. Não vou desistir. Não vou!

— Sinta-se à vontade para lutar, mas você vai perder. De qualquer forma, você perderá!

Abel levantou-se bruscamente, balançando as algemas que seguram suas mãos e sua ira. Foi tomado com força pelos guardas e levado até a sua cela. Andava de um lado para o outro sem saber o que fazer.

***

Selena recebera a visita de Bella, que chorava incansavelmente a cada vez que o nome de Abel era citado – e citava seu nome o tempo inteiro. Após duas horas da visita, Selena não conseguia disfarçar simpatia, mas hora ou outra, Bella dizia algo que era de interesse de Selena.

— E ainda... — disse fungando o nariz. — não quer nenhuma visita. Nem a minha!

Que Abel não aceitara o pedido de visita da Selena, a magoou, porém saber que nenhuma visita era bem-vinda neste momento a deixava ainda mais pensativa.

— Bella, você está muito abalada... — Selena sorriu. — Diga-me, quando foi que vocês voltaram a se encontrar dessa forma. Eu... eu não entendi... vocês estavam juntos?

— Abel e eu? Ah, Selena, não finja que não sabe que somos um vai e volta, é normal para nós, mas nos amamos intensamente. Bom, a verdade é que fazia alguns anos que não encontrava Abel, mas há um ano nos encontramos ao acaso da vida em uma boate aqui em NY, e o resto é história... Fizemos algo a distância, mas ele vinha com frequência à cidade e passamos finais de semanas juntos, algumas férias... Ah, foi incrível o último ano!

— Espere! Abel frequentou NY no último ano?

— É claro, ele sempre estava por aqui aos finais de semana. Sempre o busquei na estação.

— E ele se hospedava com você?

— A maioria das vezes, mas outras ele ficava em sua casa. Quase sempre quando seu pai não estava presente, o velho sempre tinha viagens, tratamentos... raros os momentos que entrei lá.

Selena ficou quieta, pensativa sobre o que Bella afirmara. Era difícil acreditar que Abel frequentava New York sem que ela soubesse, ela não fazia ideia. E ainda ficava em sua casa? Selena nunca o viu sem ser nos dias comemorativos, ainda quando ele comparecia.

De fato, Abel mentiu para ela muitas vezes. E seu coração que negava toda vez que ele seria capaz de algo assim.

— Bella, ele nunca... falou de mim?

— De você? É claro, disse que te visitara nos dias que vinha para cá.

— Isso nunca aconteceu...

— Como?

— Abel nunca me visitou, nunca imaginaria que ele estivesse pela cidade. Nunca o vi.

Bella se calou, engoliu a seco suas palavras, pois Abel também mentiu para ela. E talvez... talvez tenha falado demais.

— É melhor eu ir... — enxugou suas lágrimas. — Obrigada, Selena, pelo apoio...

Bella foi mais rápido do que chegou de supetão na casa de Selena. Quando Selena abriu a porta para sua saída, olhou para a casa dos Tesfaye e pensou que Phillip Hart estava certo: Selena não sabia de absolutamente nada.

[CONTINUA] 

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