06 dezembro 2024

O crime da Delancey Street | 11° Capítulo.


Após três semanas duras de recuperação, Selena recebeu alta do hospital com alguns ferimentos e duas queimaduras a tratar, além de um lapso de memória que preocupava seus pais. Pelos médicos, já era para que as memórias voltassem após o trauma, porém qualquer tentativa de trazer Selena ao presente, eram fracassadas pelos dilemas adolescentes e pela insistência de não entender em pouco tempo seus últimos cinco anos.

Por outro lado, Abel também sofria nas últimas semanas, pois fora transferido para a penitenciaria onde aguardava o agendamento de seu julgamento, pois fora indiciado por homicídio doloso. Para a sua surpresa, foi noticiado que tinha sua primeira visita e, como ele tinha certeza, não havia ninguém com motivos para tal.


— Olá, Abel. — disse do outro lado do vidro. — Como está indo?

— Apenas... indo... — respondeu. — O que devo a visita?! Tem notícias da Selena?

— Selena vai bem, ainda confusa, mas vai bem. — respondeu. — É sobre ela que estou aqui... Selena insiste em querer te ver, já tentamos atualizá-la sobre o que houve e o quanto você... Perdão por dizer isso, Abel, mas o quanto você é perigoso.

— Jamais machucaria Selena e você sabe disso!

— Não, não sei. Na verdade, machucou e eu não quero minha filha perto de você nunca mais, você faz mal a ela. E se ela buscar algum contato com você, não a responda.

— Aquele incêndio não fui eu, eu jamais a colocaria em perigo.

— Não falo do incêndio. Escute o que eu digo, assuma a sua culpa e deixa-a em paz.

Abel assistiu a visita partir e ficou em silêncio.

Ao voltar para a sua cela, ficou pensativo sobre o que acabara de acontecer.

***

Em casa, Selena comia um balde de pipoca amanteigada com um creme de caramelo e uma pitada de páprica doce, como comia em sua adolescência nos dias que mais se sentia introspectiva. Com o celular na mão, Selena estranhava a evolução do aparelho com o que tinha em sua época, já o conteúdo que continha dentro despertava ainda mais a curiosidade da Selena dos 20 anos que ali lera de forma fissurada as mensagens de texto, tentando entender quem era e o que tinha acontecido.

Nos últimos cinco anos, tinha mudado pouco – ainda se reconhecia entre seus discos e livros, na decoração do seu quarto, mas não em pessoas. No hospital, pensou que receberia visitas de pessoas com quem não fala mais, mal reconhece ao ver redes sociais de pessoas que jurou amizade eterna. Por fim, notou que se ontem era o baile de inverno, tal noite tão aguardada por todos, agora encontra a solidão de uma vida que não viveu. E a única pessoa que tinha, que se manteve durante todos esses anos é justamente a pessoa com quem não pode falar e mal reconhece ao ler sobre o caso trágico da família Tesfaye.

Voltou a si quando tocaram a campainha de sua casa, foi atender e ficou surpresa.

— Carlie? — Selena disse surpresa.

— Soube das notícias e recebi suas mensagens, mas fui orientada a não responder por conta da sua... memória... — respondeu. — Você já se lembrou... das coisas?

— Ainda não... — Selena respondeu cabisbaixa. — Mas tenho esperança de, pelo menos, entender toda a situação. Mandei mensagem para tantas pessoas, você foi a única que me retornou.

— É... alguns de nós não quer se meter nessa confusão que se criou. — disse. — Posso entrar para conversarmos?

Selena abriu espaço e sentaram-se na sala de estar, Carlie parecia muito desconfortável com Selena naquele momento e mexia no celular o tempo inteiro.

— É verdade que você só lembra do baile de inverno?

— Bom, sim... não... lembro da vida até essa época e depois... poucas coisas. É confuso!

— Selena, você me procurou há cerca de dois meses por conta do baile de inverno. Estamos nos dois e o Matthew, ficamos noivos recentemente. — Carlie contou feliz. — E você disse algo sobre tudo que acontece atualmente com Abel e todas essas acusações têm algo relacionado ao baile. E ele disse a mesma com o Matthew.

— O baile? O que... o baile foi ótimo! Eu realmente me diverti muito.

— No dia seguinte do baile, você voltou para casa e nunca mais te vimos. Você desapareceu por dois anos, nem por mensagem ou telefonemas... Desapareceu por completo.

— Meu pai me disse que fique com minha avó por conta da doença dela. Ela faleceu... e eu nem lembro...

— Eu sinto muito por isso, Selena. Eu não posso imaginar o quão difícil deve ser para você ter tantas informações da sua vida que você não lembra que viveu. É como sofrer duas vezes.

As duas ficaram em silêncio por alguns minutos e Carlie voltou a falar:

— Selena, o que lembra do baile?

— Bom, foi a primeira vez que bebi e acho que bebi bastante, eu lembro de me divertir...

— Somos adultas agora, podemos falar sobre essa época sem sentir vergonha. Você lembra como era apaixonada pelo Abel? Quer dizer, vocês eram melhores amigos de infância e era lindo absolutamente tudo sobre vocês: a parceria, amizade, confidencialidade. E você se declarou para ele naquela noite.

— Eu... eu não lembro disso...

— Ainda não lembra? Mesmo perdendo a memória e parando naquela noite!? — Carlie riu perplexa. — Selena, você se declarou ao Abel naquela noite mesmo ele tendo um rolo, era quase namoro com a Bella, mesmo assim você teve coragem e fez.

— O que Abel respondeu? — Selena perguntou curiosa.

— Ele ficou assustado... — Carlie riu. — O Matthew ainda me conta que o Abel ficou absolutamente chocado e surpreso, mas de forma positiva porque ele sentia o mesmo por você, mas que você merecia muito mais que ele poderia dar.

— Isso... não... eu não...

— E eu não quis contar naquele dia, mas você diz ter muitas dúvidas daquela noite. E era para ter sido tudo diferente se vocês tivessem juntos. Não sou a melhor pessoa para falar sobre vocês dois, mas depois que você partiu e voltou e nunca mais tocou no assunto... isso magoou Abel, mas vocês dois seguiram em frente e mesmo por linhas tortas e no silêncio, preferiram a amizade.

— Isso não... eu não voltaria sem falar nada dessa forma. — Selena defendeu-se. — Não é quem eu sou, eu não faria isso!

Antes que Carlie respondesse-a, a porta abriu e seus pais entraram em casa surpresos com a visita. Na defensiva, seu pai indagou:

— Não avisou que receberia visitas, Selena.

— É, eu convidei a Carlie, mas não sabia que viria hoje. — sorriu. — É bom conversar com uma amiga.

— Do que falaram?

Carlie ficou em silêncio e olhou para a Selena.

— Sobre os últimos anos, eu quero entender as coisas porque se minha memória não voltar, será assim que viverei: preenchendo lacunas.

— Selena, nós falamos sobre isso e o médico disse que não é em tudo que ouve, não é porque as pessoas contam coisas, que deverá acreditar nelas. — seu pai disse.

— Isso é verdade, preencher lacunas não é uma função fácil e nós devemos estar juntos com você, Selena. Não faça mais isso! — sua mãe chamou sua atenção de forma dura.

— Apesar de aqui... — apontou para sua cabeça. — ainda ser uma criança, eu não sou mais. Estou bem e preciso conversar com outras pessoas, vocês já me impedem de visitar o Abel, de mexer no meu próprio celular e agora falar com pessoas!?

— Bom, é melhor eu ir embora... — Carlie levantou-se sem jeito. — Foi bom falar com você, Selena. Espero que melhore.

Carlie saiu apressada porta afora dado ao clima que se instaurou na casa, Selena jogou a pipoca no lixo e virou para os pais dizendo:

— É difícil estar na minha pele, sabiam? É duro não lembrar de absolutamente nada e vocês também não me ajudam em nada. Eu descobri que a vovó faleceu pelo meu post no facebook da épocaç, estou perdida no tempo e simplesmente não sei o que fazer. Viver no passado ou...

— Ou recomeçar novamente. Selena, eu quero que você seja a Selena que eu conhecia, a minha filha daquela manhã antes de entrar naquela casa e mudar, mas você também pode ser uma nova pessoa. — sua mãe disse entusiasmada. — Você pode simplesmente se renovar e ser feliz, esquecendo absolutamente tudo de ruim que aconteceu nos últimos meses...

Selena olhou-a pensativa.

— Não posso abandonar Abel, eu simplesmente não consigo. Eu sei o que houve com a minha memória, mas o resto de mim diz outra coisa. Ele é inocente e tem algo acontecendo e eu quero ajudar!

— Por Deus, esqueça Abel. — seu pai respondeu. — Você não percebe, minha filha, não percebe que você merece mais do que viver nesse limbo em que ele te colocou.

— Conte a ela, conte o que ela precisa saber de uma vez.

— Contar-me o que?

— Na noite do baile, você diz que não se lembra e no dia seguinte você volta para casa ainda bêbada e você estava diferente... estranha. Vomitou bastante, chorava muito e não queria conversar sobre o que ocorreu na festa. — seu pai dizia, estremecendo. — E sua mãe foi ajudá-la, você estava sangrando e machucada...

— Você nos contou que tinha dormido com Abel naquela noite, mas não se lembrava o que tinha acontecido e...

— Ele aproveitou que você estava bêbada e abusou de você, Selena! Esse é o Abel!

— Você já apresentava esses lapsos de memória antes quando isso ocorreu e aconteceu novamente. Então, decidimos que seria melhor você ficar com a sua avó por algum tempo e você adorou Minnesota, mas a sua avó faleceu e foi um grande choque. E você voltou para cá e parecia bem, era águas passadas e... não sei, minha filha, tentamos te proteger como deu. Nós queríamos ir até a justiça, fazermos justiça por você...

Selena deu alguns passos para trás, passou a mão direito nos lábios e depois as duas mãos em seus cabelos.

— E o que vocês fizeram?

[CONTINUA] 

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