09 novembro 2024

O crime da Delancey Street | 10° Capítulo.

Selena mudava de canal diversas vezes a procura de algo interessante na programação, mas sem sucesso. Sua mãe a observava, fazia crochê como passatempo, e a fitava algumas vezes ainda encabulada com a condição de sua filha.

— Mamãe, olhar-me sem dizer nada não me deixa confortável. — disse. — Fale comigo!

— Não há o que dizer, o doutor pediu para que não interferisse na sua recuperação. — respondeu com um suspiro. — Então, apenas ficarei quieta.

— Fale comigo, mamãe. Não quero ficar isolada com você e o papai com medo de conversar comigo. Sequer ver o Abel, posso...

— Tem vontade de conversar com ele? — sua mãe questionou, curiosa.

— Sim, claro que sim. — respondeu. — Ainda mais depois do que me contaram.

— Selena, o baile de inverno... como foi para você?

— Foi bem, foi ótimo. — ela sorriu. — Bom, você sabe, mamãe... não era o que eu queria que papai visse quando me buscou, mas acredito que... sei lá, vocês vão me perdoar.

— Perdoar pelo que?

— Vocês sabem... — Selena ficou corada. — pela minha primeira, e última, é claro, bebedeira.

Sua mãe respirou fundo, aliviada.

— É do que se lembra? — indagou.

— E o que me contaram. — respondeu com um sorriso. — É o suficiente.

— Claro que sim. — levantou-se. — Bom, irei encontrar seu pai para almoçarmos na lanchonete, se for possível, trarei um docinho para você, tudo bem!?

Despediu-se de sua filha com um beijo na testa, longo e simbólico. E saiu do quarto com o peito mais leve e encontrou com seu marido no térreo do prédio.

— Como ela está hoje? — perguntou o sr. Gomez.

— Pediu para ver o Abel novamente. — respondeu. — Talvez... não sei... por que não?

— Porque eles estavam muito envolvidos investigando sozinhos um crime que quase a matou e Abel quando a viu, ficou muito abalado. Melhor não fazer interferências para nenhum deles.

— Perguntei sobre o baile de inverno...

— Oh! Por que fez isso?

— Era importante saber em que ponto Selena está e do que ela lembra. Ela não pode voltar para aquela época, não dessa forma...

— E o que ela disse?

— Não se lembra. Apenas do dia seguinte, da ressaca... como na última vez.

Antes que sr. Gomez respondesse, a polícia circulou nos corredores e trouxeram Abel algemado rumo à saída do hospital. O casal observou e tentou não o encarar, mas Abel sequer os notou, pois caminhou pelo corredor da vergonha de cabeça baixa e somente vez um esforço ao passar pelo quarto de Selena para vê-la mais uma vez.

***

Abel chegou à delegacia e foi colocado numa cela privativa que já ocupara antes. Sentou-se na cama e tirou o curativo no pulso onde havia tomado soro e seguiu pensativo sobre que o polícia descobrira para estar ali novamente.

— Desconfortável? — perguntaram a ele.

— Eu sofro uma tentativa de homicídio e volto a cadeia? — indagou.

— Ou você fez uma tentativa de suicídio e homicídio à sua amiga?

— Senhor delegado, eu jamais tentaria ferir a Selena ou a mim mesmo. Aquela casa era a única coisa que restou da minha mãe. Tudo que existia da memória dela estava lá.

— A perícia aponta que o incêndio foi proposital. Não foi qualquer vazamento de gás, alguém plantou...

— Alguém que tentou me matar! — Abel afirmou.

— E no que restou daquela casa, a perícia achou um cofre. Sabia que seu pai guardava um cofre?

— Saber, não sabia, mas não seria incomum para o homem como ele.

— Bom, gostaríamos de mostrar a você um vídeo. Pela data do arquivo, foi gravado escondido e, pelo conteúdo, sem seu consentimento dias antes da morte de seu pai. Espero que o vídeo desperte sua memória e você esclareça.

O detetive aproximou um laptop e apertou o play de uma gravação feita as escondidas na casa do sr. Tesfaye. Na cena tinha Phillip Hart, Abel e seu pai discutindo sobre o testamento que Abel foi cortado e que Phillip era o curador de tudo envolvendo os bens do Sr. Tesfaye, aquele que admite ao filho naquele dia que tinha um relacionamento homossexual com Hart.

Abel engoliu a seco todas as palavras de sua defesa ao ver que aquela conversa tinha sido gravada. E ele permaneceu quieto no fim do vídeo.

— O que me estranha é que nem você, Abel, ou Phillip Hart citou a polícia essa conversa.

— Se eu contasse, era obvio que eu seria visto como culpado como estou sendo visto agora. — Abel respondeu. — Mas sempre me questionei por que Phillip nunca contou nada, esperava que ele usasse essa carta no dia seguinte em que meu pai apareceu morto, mas ele tinha planos maiores... como esse.

— Ele pareceu tão surpreso quanto você ao ver a gravação. Imagina quem tenha feito?

Abel balançou a cabeça de forma negativa.

— Mas tem algo que não sai da minha cabeça desde o incêndio e eu não irei mais guardar ou tentar desvendar isso sozinho. Eu não consigo. Tudo aponta para mim, mas eu juro por tudo que me resta que eu não matei meu próprio pai. Eu fiquei revoltado, de fato, ao pensar na memória da minha mãe em ver que depois de tudo que ela construiu, a família que ela tanto batalhou se transformaria nisso... — ele riu de forma cabisbaixa. — Eu já sabia que não estava no testamento do meu pai há cinco anos quando deixei o judaísmo.

— Você sabia?

— Sim, eu sabia. — Abel admitiu. — Naquela época, ele mandou a cópia do testamento, mas dizia que seu dinheiro e a casa seriam doados quando a instituição judaica que ele frequentava criou uma ONG em nome da minha mãe. E quando eu soube que ele não faria isso, eu realmente fiquei revoltado porque eu vinha trabalhando com o rabino da instituição para construir um memorial da minha mãe e quando soube que ele mudou de planos para dar todo o dinheiro dele para uma pessoa que não é judia e nem zelaria pela minha mãe... Eu não matei meu pai, mas eu deixei de amá-lo naquele dia.

— Acha que Phillip Hart matou seu pai?

— Infelizmente, não.

— Por quê? Ele é seu maior inimigo neste caso, por que acredita que ele não fez nada?

— Porque nós temos o mesmo álibi. No dia em que meu pai morreu, Phillip pediu para se encontrar comigo no cemitério, procure lá. Nunca falamos nada porque soaria ruim para nós dois, ainda mais. — ele riu novamente, percebendo toda a ironia. — Ele disse que meu pai queria me perdoar, mas para isso eu teria que admitir um mal que fiz e se eu fizesse isso. Eu teria a metade de tudo.

— O que você fez?

— Phillip nunca me disse, nem meu pai. Ninguém nunca me falou o que eu fiz! Mas que eu deveria pedir desculpas e Phillip ainda me disse que era melhor se eu fizesse logo e ele me falava isso por telefone. Eu posso provar! Os recados na caixa postal, mensagens pedindo que eu viesse à Nova Iorque assumir uma culpa, ao contrário...

— Ao contrário? — o detetive parecia interessado.

— Eu não sei... Tudo o que aconteceu é a resposta!

— O que você fez?

— Não faço ideia, mas a Selena é a resposta!

[CONTINUA]

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