Naquele
fim de tarde, os morados da Delancey foram pegos em grande susto que chocou
toda a vizinhança. Um vazamento de gás na casa dos Tesfaye fez com que houvesse
um incêndio que se espalhará rapidamente por toda a residência.
— Selena! Selena! — Abel chacoalhava-a.
— Por favor! Responda! Selena!
Ele a arrastou pelo chão, mas não
conseguia identificar uma saída de sua casa que desmoronava e ardia em fogo.
Abel pegou Selena no colo, pôde ver a mão e os braços queimados já em carne
viva, ele tentou protegê-la colocando um pano em seu nariz para não inalar
ainda mais fumaça e buscou uma saída, mas mal conseguia reconhecer sua casa e
onde buscar ajuda.
Abel perdeu as forças e ajoelhou-se no
chão, caindo sobre Selena. Até seus olhos se fecharem e perder a consciência,
ele tentou protegê-la.
***
Abriu os olhos e sentiu um peso em seu
corpo – sentia-se dolorida e seu braço direito borbulhava das queimaduras de
terceiro grau. Selena tentou mexê-la, mas não tinha forças e tossia
sucessivamente. Olhou em volta e seus pais correram para abraçá-la.
— Como se sente? — sua mãe perguntou.
— Selena! O que houve? Você está bem?
O que fazia lá? — seu pai perguntava afobado.
Selena fechou os olhos e relaxou seu
corpo como se fosse dormir novamente, era como se as dores no corpo fossem
maiores do que a força que queria fazer para falar.
— Precisamos fazer algumas
perguntas...
— Selena, a polícia está aqui.
Acreditam que foi uma tentativa de homicídio... — sua mãe dizia tentando acariciá-la.
— É melhor se afastarem dela, ela não
está bem. — disse o médico. — Vamos dar um tempo para que ela consiga se
recuperar...
— Um tempo? Não quero perder minha
filha de vista nem por um segundo, iremos ficar aqui com ela. — respondeu seu
pai, aumentando o tom de voz. — Quem deve sair é a polícia, pois vejam o estado
da minha filha, não é cabível fazer interrogatório.
— É importante que façamos logo,
estamos no meio de uma investigação e o depoimento dela é importante. — um
oficial respondeu calmo. — Selena, precisamos fazer algumas perguntas, você
pode nos responder?
Selena abriu os olhos e assentiu com a
cabeça. Ela olhava para seu braço enfaixado e viu um deslumbre de quando as
queimaduras ocorreram.
— Onde está o Abel? — Selena
perguntou, sua voz estava rouca.
Todos ficaram quietos.
— Ele também está internado, teve
queimaduras nas costas e inalou muita fumaça, mas está estável. — respondeu o
oficial. — É sobre o incêndio, gostaríamos de saber do que se lembra?
— Lembro-me de ir fazer um chá, eu
liguei a chaleira e subiu um cheiro de gás, chamei Abel e o fogão... explodiu!
— O que fazia lá?
— Eu sempre vou a casa dele depois do
colégio. — Selena respondeu com um sorriso. — É um hábito nosso.
— Escola? — seu pai perguntou confuso.
— Sim, você sempre deixou. — ela
respondeu. — O fogão explodiu antes que eu conseguisse desligá-lo. Tudo que eu
lembro é chamas...
— Selena, quantos anos você tem? — o
oficial perguntou.
— 17 anos. — ela respondeu tossindo. —
O Abel me salvou, eu lembro de ouvi-lo.
Todos se entre olharam, sua mãe tampou
a boca e saiu correndo do quarto aos prantos. Selena olhou para seu pai e
perguntou:
— O que houve?
— Nada, minha filha. — ele respondeu
nervoso. — Por favor, deixem ela descansar um pouco e voltem noutro momento.
Doutor, por favor, minha filha precisa de repouso.
— Lembra de mais alguma coisa? — o
oficial insistiu.
— Não... — ela balançou a cabeça. —
Você disse que era uma tentativa de homicídio, mas quem tentaria nos matar?
— Bom, é melhor descansar. Se lembrar
de mais alguma coisa, nos chame.
Selena sorriu e voltou a fechar os
olhos. Todos saíram de seu quarto. No corredor, sua mãe chorava e foi acudida
por seu marido, que tentava acalmá-la.
— Doutor, diga-me que isso pode ser
alguma confusão mental ou que minha filha teve uma perda de memória por curto
prazo... alguma coisa, ela acha que é adolescente?
— Ela perdeu cinco anos de sua vida? —
sra. Gomez questionava aos soluços.
— Isso é uma novidade, ela se lembra
do que aconteceu, mas é como se tivesse se perdido no tempo. Vamos fazer alguns
exames, mas é melhor termos calma. — pediu o médico. — Pode ser somente um
lapso de memória. O Abel Tesfaye não apresentou nenhuma sequela do tipo.
— Se ela perdeu alguns anos de vida...
é melhor deixá-los longe um do outro. Pelo menos, é o que gostaríamos... —
disse o sr. Gomez, preocupado.
***
No corredor, Abel apoiava-se na parede
e fitava Selena adormecida em seu quarto. Ele balançou a cabeça, sentia-se
culpado por vê-la daquela forma.
— O que faz aqui?
— Vim vê-la, saber como ela está... —
Abel respondeu sem tirar os olhos de Selena.
— Deixei claro que não queria você
perto dela, não é saudável para ela. Deixa-a em paz.
— Sr. Gomez, jamais machucaria
Selena... — disse ele. — O senhor bem me conhece e sabe o quanto prezo por ela.
O que houve... tentaram me matar, disso eu sei e, infelizmente, Selena estava
comigo naquele momento. Eu jamais...
— Das suas intenções, eu não sei. —
Sr. Gomez interrompeu-o. — Apenas vá, Abel.
— Você também acredita que eu seja o
culpado? — Abel indagou, com certa coragem.
— Abel, a minha opinião não importa.
Apenas vá e deixe-a se recuperar.
Ao olhar Selena mais uma vez, seus
olhares se encontraram e ela abriu um sorriso.
— Abel! Estava preocupada! — disse
alegre. — Venha aqui!
— Selena, melhor descansar. — seu pai
disse. — E ele também.
— Papai, por favor...
Abel entrou em seu leito e se sentou
na ponta da maca de Selena, que pegou em sua mão.
— Que loucura tudo isso. Seu pai deve
estar bravo com o estrago que houve em sua casa...
— Meu pai? — indagou Abel, confuso.
— Selena, o sr. Tesfaye morreu
recentemente. — sr. Gomez respondeu precipitadamente. — Muito coisa ocorreu e ainda temos que
perguntar.
— Como assim, Selena?! — Abel insistiu. — Você sabe
disso, estava me ajudando a investigar a morte dele...
— Abel, por favor, vamos conversar lá
fora... — sr. Gomez insistia.
— Do que vocês estão falando? — Selena
indagou preocupada. — Investigar a morte do seu pai, quando ele morreu... eu...
eu não me lembro de nada disso... eu deveria saber...
— Fique tranquila, minha filha. Quando
sua mãe voltar, iremos conversar e esclarecer tudo com você e com o médico,
enquanto isso, Abel, por favor, faça seu repouso em seu quarto.
Abel levantou-se e saiu acompanhado do
sr. Gomez, que segurava seu transtorno.
— Diga-me que é uma piada de muito mal
gosto... — Abel iniciou.
— Não há piada, Selena acha que tem 17
anos e não sabe de nada. — sr. Gomez respondeu com um final suspiro. — Não sei
o que fazer, os médicos dizem que pode ser momentâneo, algo sobre o choque que
ela levou sobre o incêndio... ela pode lembrar de tudo, mas também não pode...
— Meu Deus! — Abel levou sua mão a
boca. — Meu Deus! Selena... eu jamais...
— Eu sei, garoto, eu sei. E eu não te
culpo, mas, por favor, vá se cuidar e deixe minha filha longe disso porque já é
o suficiente o que houve.
— Sr. Gomez, eu nunca pedi para que
Selena fizesse algo assim e eu... não sei o que dizer.
Abel virou as costas amuado com o que
acabara de descobrir, de todos os seus recentemente pesadelos, este seria o
pior deles. Em contrapartida, ele se lembrava de absolutamente tudo e sentia sua
pele queimando mais uma vez ao cair sobre Selena.
Ele riu ao encostar na poltrona, cada
vez mais a história piorava.
***
Selena esfregava a mão com leveza por
cima de seu machucado, sentia uma leve dor ao tocar na queimadura e repetia os
movimentos no objetivo de que a dor, quem sabe, ajudasse-a lembrar de algo.
Entraram em seu quarto seus pais com
sorrisos amarelados – disfarçando a tristeza, e um médico diferente dos que
conheceu até o momento. Ele sentou-se na poltrona ao lado de sua cama e seus
pais se mantiveram em pé, como se carregassem todo o peso do mundo.
— Selena, como vai? Meu nome é Rufus,
sou neurocirurgião e psiquiatra.
A moça olhou para os pais e nenhum
esboçou reação, voltou sua atenção à Rufus.
— O que quer? O que houve?
— Recentemente, você sofreu um
acidente. Um incêndio na casa de seu amigo Abel. Gostaria de falar sobre esse incidente,
do que se lembra e o que pode compartilhar conosco...
— Meu pai disse que o sr. Tesfaye
morreu. — ela respondeu. — Como não me lembro disso?
— Certo... vemos que você não se
lembra desse evento. — ele insistiu com bom humor. — E qual o último evento se
lembra para que prosseguimos daqui.
— O baile de inverno... lembro do
baile de inverno... um pouco, na verdade, lembro do baile e depois de estar voltando
da escola com Abel. Algo assim, sinto que tem lacunas ainda. — Selena
esforçou-se.
— Certo. Selena não há outra maneira
de falar sobre isso, mas você sofreu um acidente na tarde de ontem e teve um
lapso de memória. O baile de inverno que diz se lembrar já faz alguns anos. —
disse Rufus cuidadoso. — Vou deixar você digerir sozinha essas informações para
voltarmos a conversar, mas fique calma. Esperamos que seja temporária por conta
do choque que teve, mas tente lembrar de algumas informações. — Rufus puxou um bloco
de anotações. — Quero que lembre da morte do sr. Tesfaye, pai do seu melhor
amigo e dos eventos que sucederam após isso. É importante que anote o que vem a
sua mente sozinha, sem interferência de ninguém.
Selena assentiu com a cabeça, ficara em
silêncio digerindo as informações.
Seus pais acompanharam o médico até o
corredor e encostaram a porta.
— Como assim não podemos ajudá-la? —
questionou sra. Gomez.
— É melhor ela iniciar sozinha, sem interferências,
pois a memória dela é diferente de vocês, então, não seria as dela. — explicou o
médico.
— Mas... o baile de inverno. — disse
sra. Gomez para o seu marido. — É algo que...
— Deixa-a! Não interfira. — respondeu
sr. Gomez duro.
— Se ela lembrar... — disse preocupada.
— Ela não pode, não pode. Nos esforçamos muito para que isso ocorra agora.
No lado de dentro, Selena ouvira tudo.
— O baile de inverno...
[ CONTINUA ]
Nenhum comentário:
Postar um comentário