08 setembro 2024

O crime da Delancey Street | 09° Capítulo.


Naquele fim de tarde, os morados da Delancey foram pegos em grande susto que chocou toda a vizinhança. Um vazamento de gás na casa dos Tesfaye fez com que houvesse um incêndio que se espalhará rapidamente por toda a residência.

— Selena! Selena! — Abel chacoalhava-a. — Por favor! Responda! Selena!

Ele a arrastou pelo chão, mas não conseguia identificar uma saída de sua casa que desmoronava e ardia em fogo. Abel pegou Selena no colo, pôde ver a mão e os braços queimados já em carne viva, ele tentou protegê-la colocando um pano em seu nariz para não inalar ainda mais fumaça e buscou uma saída, mas mal conseguia reconhecer sua casa e onde buscar ajuda.

Abel perdeu as forças e ajoelhou-se no chão, caindo sobre Selena. Até seus olhos se fecharem e perder a consciência, ele tentou protegê-la.

***

Abriu os olhos e sentiu um peso em seu corpo – sentia-se dolorida e seu braço direito borbulhava das queimaduras de terceiro grau. Selena tentou mexê-la, mas não tinha forças e tossia sucessivamente. Olhou em volta e seus pais correram para abraçá-la.

— Como se sente? — sua mãe perguntou.

— Selena! O que houve? Você está bem? O que fazia lá? — seu pai perguntava afobado.

Selena fechou os olhos e relaxou seu corpo como se fosse dormir novamente, era como se as dores no corpo fossem maiores do que a força que queria fazer para falar.

— Precisamos fazer algumas perguntas...

— Selena, a polícia está aqui. Acreditam que foi uma tentativa de homicídio... — sua mãe dizia tentando acariciá-la.

— É melhor se afastarem dela, ela não está bem. — disse o médico. — Vamos dar um tempo para que ela consiga se recuperar...

— Um tempo? Não quero perder minha filha de vista nem por um segundo, iremos ficar aqui com ela. — respondeu seu pai, aumentando o tom de voz. — Quem deve sair é a polícia, pois vejam o estado da minha filha, não é cabível fazer interrogatório.

— É importante que façamos logo, estamos no meio de uma investigação e o depoimento dela é importante. — um oficial respondeu calmo. — Selena, precisamos fazer algumas perguntas, você pode nos responder?

Selena abriu os olhos e assentiu com a cabeça. Ela olhava para seu braço enfaixado e viu um deslumbre de quando as queimaduras ocorreram.

— Onde está o Abel? — Selena perguntou, sua voz estava rouca.

Todos ficaram quietos.

— Ele também está internado, teve queimaduras nas costas e inalou muita fumaça, mas está estável. — respondeu o oficial. — É sobre o incêndio, gostaríamos de saber do que se lembra?

— Lembro-me de ir fazer um chá, eu liguei a chaleira e subiu um cheiro de gás, chamei Abel e o fogão... explodiu!

— O que fazia lá?

— Eu sempre vou a casa dele depois do colégio. — Selena respondeu com um sorriso. — É um hábito nosso.

— Escola? — seu pai perguntou confuso.

— Sim, você sempre deixou. — ela respondeu. — O fogão explodiu antes que eu conseguisse desligá-lo. Tudo que eu lembro é chamas...

— Selena, quantos anos você tem? — o oficial perguntou.

— 17 anos. — ela respondeu tossindo. — O Abel me salvou, eu lembro de ouvi-lo.

Todos se entre olharam, sua mãe tampou a boca e saiu correndo do quarto aos prantos. Selena olhou para seu pai e perguntou:

— O que houve?

— Nada, minha filha. — ele respondeu nervoso. — Por favor, deixem ela descansar um pouco e voltem noutro momento. Doutor, por favor, minha filha precisa de repouso.

— Lembra de mais alguma coisa? — o oficial insistiu.

— Não... — ela balançou a cabeça. — Você disse que era uma tentativa de homicídio, mas quem tentaria nos matar?

— Bom, é melhor descansar. Se lembrar de mais alguma coisa, nos chame.

Selena sorriu e voltou a fechar os olhos. Todos saíram de seu quarto. No corredor, sua mãe chorava e foi acudida por seu marido, que tentava acalmá-la.

— Doutor, diga-me que isso pode ser alguma confusão mental ou que minha filha teve uma perda de memória por curto prazo... alguma coisa, ela acha que é adolescente?

— Ela perdeu cinco anos de sua vida? — sra. Gomez questionava aos soluços.

— Isso é uma novidade, ela se lembra do que aconteceu, mas é como se tivesse se perdido no tempo. Vamos fazer alguns exames, mas é melhor termos calma. — pediu o médico. — Pode ser somente um lapso de memória. O Abel Tesfaye não apresentou nenhuma sequela do tipo.

— Se ela perdeu alguns anos de vida... é melhor deixá-los longe um do outro. Pelo menos, é o que gostaríamos... — disse o sr. Gomez, preocupado.

***

No corredor, Abel apoiava-se na parede e fitava Selena adormecida em seu quarto. Ele balançou a cabeça, sentia-se culpado por vê-la daquela forma.

— O que faz aqui?

— Vim vê-la, saber como ela está... — Abel respondeu sem tirar os olhos de Selena.

— Deixei claro que não queria você perto dela, não é saudável para ela. Deixa-a em paz.

— Sr. Gomez, jamais machucaria Selena... — disse ele. — O senhor bem me conhece e sabe o quanto prezo por ela. O que houve... tentaram me matar, disso eu sei e, infelizmente, Selena estava comigo naquele momento. Eu jamais...

— Das suas intenções, eu não sei. — Sr. Gomez interrompeu-o. — Apenas vá, Abel.

— Você também acredita que eu seja o culpado? — Abel indagou, com certa coragem.

— Abel, a minha opinião não importa. Apenas vá e deixe-a se recuperar.

Ao olhar Selena mais uma vez, seus olhares se encontraram e ela abriu um sorriso.

— Abel! Estava preocupada! — disse alegre. — Venha aqui!

— Selena, melhor descansar. — seu pai disse. — E ele também.

— Papai, por favor...

Abel entrou em seu leito e se sentou na ponta da maca de Selena, que pegou em sua mão.

— Que loucura tudo isso. Seu pai deve estar bravo com o estrago que houve em sua casa...

— Meu pai? — indagou Abel, confuso.

— Selena, o sr. Tesfaye morreu recentemente. — sr. Gomez respondeu precipitadamente. —  Muito coisa ocorreu e ainda temos que perguntar.

 Como assim, Selena?! — Abel insistiu. — Você sabe disso, estava me ajudando a investigar a morte dele...

— Abel, por favor, vamos conversar lá fora... — sr. Gomez insistia.

— Do que vocês estão falando? — Selena indagou preocupada. — Investigar a morte do seu pai, quando ele morreu... eu... eu não me lembro de nada disso... eu deveria saber...

— Fique tranquila, minha filha. Quando sua mãe voltar, iremos conversar e esclarecer tudo com você e com o médico, enquanto isso, Abel, por favor, faça seu repouso em seu quarto.

Abel levantou-se e saiu acompanhado do sr. Gomez, que segurava seu transtorno.

— Diga-me que é uma piada de muito mal gosto... — Abel iniciou.

— Não há piada, Selena acha que tem 17 anos e não sabe de nada. — sr. Gomez respondeu com um final suspiro. — Não sei o que fazer, os médicos dizem que pode ser momentâneo, algo sobre o choque que ela levou sobre o incêndio... ela pode lembrar de tudo, mas também não pode...

— Meu Deus! — Abel levou sua mão a boca. — Meu Deus! Selena... eu jamais...

— Eu sei, garoto, eu sei. E eu não te culpo, mas, por favor, vá se cuidar e deixe minha filha longe disso porque já é o suficiente o que houve.

— Sr. Gomez, eu nunca pedi para que Selena fizesse algo assim e eu... não sei o que dizer.

Abel virou as costas amuado com o que acabara de descobrir, de todos os seus recentemente pesadelos, este seria o pior deles. Em contrapartida, ele se lembrava de absolutamente tudo e sentia sua pele queimando mais uma vez ao cair sobre Selena.

Ele riu ao encostar na poltrona, cada vez mais a história piorava.

***

Selena esfregava a mão com leveza por cima de seu machucado, sentia uma leve dor ao tocar na queimadura e repetia os movimentos no objetivo de que a dor, quem sabe, ajudasse-a lembrar de algo.

Entraram em seu quarto seus pais com sorrisos amarelados – disfarçando a tristeza, e um médico diferente dos que conheceu até o momento. Ele sentou-se na poltrona ao lado de sua cama e seus pais se mantiveram em pé, como se carregassem todo o peso do mundo.

— Selena, como vai? Meu nome é Rufus, sou neurocirurgião e psiquiatra.

A moça olhou para os pais e nenhum esboçou reação, voltou sua atenção à Rufus.

— O que quer? O que houve?

— Recentemente, você sofreu um acidente. Um incêndio na casa de seu amigo Abel. Gostaria de falar sobre esse incidente, do que se lembra e o que pode compartilhar conosco...

— Meu pai disse que o sr. Tesfaye morreu. — ela respondeu. — Como não me lembro disso?

— Certo... vemos que você não se lembra desse evento. — ele insistiu com bom humor. — E qual o último evento se lembra para que prosseguimos daqui.

— O baile de inverno... lembro do baile de inverno... um pouco, na verdade, lembro do baile e depois de estar voltando da escola com Abel. Algo assim, sinto que tem lacunas ainda. — Selena esforçou-se.

— Certo. Selena não há outra maneira de falar sobre isso, mas você sofreu um acidente na tarde de ontem e teve um lapso de memória. O baile de inverno que diz se lembrar já faz alguns anos. — disse Rufus cuidadoso. — Vou deixar você digerir sozinha essas informações para voltarmos a conversar, mas fique calma. Esperamos que seja temporária por conta do choque que teve, mas tente lembrar de algumas informações. — Rufus puxou um bloco de anotações. — Quero que lembre da morte do sr. Tesfaye, pai do seu melhor amigo e dos eventos que sucederam após isso. É importante que anote o que vem a sua mente sozinha, sem interferência de ninguém.

Selena assentiu com a cabeça, ficara em silêncio digerindo as informações.

Seus pais acompanharam o médico até o corredor e encostaram a porta.

— Como assim não podemos ajudá-la? — questionou sra. Gomez.

— É melhor ela iniciar sozinha, sem interferências, pois a memória dela é diferente de vocês, então, não seria as dela. — explicou o médico.

— Mas... o baile de inverno. — disse sra. Gomez para o seu marido. — É algo que...

— Deixa-a! Não interfira. — respondeu sr. Gomez duro.

— Se ela lembrar... — disse preocupada. — Ela não pode, não pode. Nos esforçamos muito para que isso ocorra agora.

No lado de dentro, Selena ouvira tudo.

— O baile de inverno...

[ CONTINUA ]

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