Mentir
nunca foi o forte de Selena e ela tinha passado a noite pensando em como contar
ao seu pai sobre o disco rígido e que tudo não passa de um grande
desentendimento, mas ao ver seu pai com raiva e preocupado, não pôde deixar de
notar todas as movimentações que ele fizera pela madrugada por conta do seu ato
de roubar uma informação do próprio pai. E pior ainda, no momento de nervosismo
seu, ter desfeito do item.
Na
manhã seguinte, a residência da família Gomez amanheceu silenciosa após a vinda
da polícia atrás de um item de extremo valor ao sr. Gomez – tal item que
continha informações importantes, e sigilosas, sobre o homicídio do sr.
Tesfaye.
Ao
descer as escadas, Selena desistira de admitir qualquer coisa, apenas se sentou
à mesa e serviu uma xícara de café puro e observou seu pai lendo o jornal
matinal. Sua mãe, por sua vez, observava-a com atenção, pois sabe que ninguém
mente tão mal quanto Selena.
—
Bom, no final da tarde irei passar na delegacia para saber sobre o andamento
das investigações, mas na hora do almoço os rapazes da empresa de vigilância
que contatei virão instalar as câmeras de segurança.
—
O que? — Selena indagou surpresa. — Câmeras? Aqui em casa?
—
Sim, é claro. — ele suspirou. — Temo que isso nunca acabará tão cedo e quero
prezar pela segurança de vocês. Só de pensar que sua mãe poderia ter se ferido
se estivesse em casa no momento do assalto... jamais me perdoaria. E algo
acontecer a você também, Selena, não serei capaz de viver com isso.
—
Mas isso nem foi discutido...
—
Não há o que discutir, Selena. — sua mãe interrompeu-a. — Já decidimos isso
ontem, será feito e acabou. Seu pai está no meio de um furacão com esse
homicídio do outro lado da rua, nós merecemos a segurança necessária.
—
Tudo bem, eu entendo, eu entendo... — Selena respondeu na defensiva. — Eu só levei
um susto... câmeras dentro de casa? Qual seria nossa privacidade?
—
Abriremos mão da privacidade pela segurança. Pelo menos, até tudo isso
terminar.
Selena
ficou em silêncio. Seu pai se levantou e subiu as escadas rumo ao escritório.
Sua mãe a encarou mais uma vez, sem que Selena percebesse que era observada de
perto.
—
Selena! — sua mãe a chamou. — Conte a verdade ao seu pai, ele entenderá!
—
Verdade sobre o que?
— Sobre o disco rígido dele que
desapareceu. Eu sei que você pegou as coisas dele ontem e devolveu quando
voltou, mas não devolveu tudo.
Selena ficou em silêncio e pensativa.
— Responda-me, minha filha, por que
mexeu nas coisas do seu pai?
Após respirar fundo, Selena viu que
não tinha escapatória, sua mãe realmente sabia a verdade sobre o que ocorrera
na noite passada.
— Pensava que papai sabia de algo e
realmente sabe. — Selena contou. — Tinha um vídeo da Abel discutindo com
Phillip Hart e sr. Tesfaye. Era uma briga feia! E parece que foi papai que
filmou.
— Sim, sempre soube disso. — sua mãe
respondeu serena. — Não era a primeira vez que Abel discutia com o pai por
inúmeros motivos, mas... é complicado, minha filha.
— O que é tão complicado assim que
todos falam e eu não entendo?
— O que é complicado é a relação deles
e Abel é seu amigo, você sempre gostou muito dele e talvez devesse ir conversar
com ele.
Voltaram ao silêncio quando seu pai
desceu as escadas, despediu-se e foi trabalhar. Selena aproveitou a deixa de
seu pai e subiu para seu quarto e olhou no lixo e, de fato, o disco rígido
estava quebrado. Neste momento, Selena percebeu na burrada que fizera, pois,
além do vídeo, tinha outros arquivos com senha que ela não tinha acessado.
Ela olhou pela janela e Abel a olhava
com um sorriso, ele acenou e ela retribuiu. Selena sabia que tinha que
conversar com o Abel após a sua saída da prisão e era melhor o quanto antes de
conversar com seu pai.
Antes, tomou banho e colocou um
conjunto esporte, penteou seu cabelo em um rabo-de-cavalo e atravessou a rua
para uma visita ao seu amigo. Ela bateu na porta e em poucos segundos Abel
atendeu, como se já a esperasse.
— Achei que não viria... — disse Abel,
com um sorriso. — Estava com saudades!
— Bom, como você não aceitou visitas,
eu resolvi dar um tempo a você...
Ela entrou na casa cujo primeiro
cômodo era a sala de estar – onde o vídeo da briga acontecera. Selena sentiu um
calafrio ao imaginar aquela cena ao vivo. Além disso, a casa estava a cada dia
mais descuidada – o acúmulo de sujeira e poeira, a bagunça de roupas de Abel
jogada e desorganizadas, algumas garrafas de bebida alcoólica e pacotes de
comida industrializadas espalhadas demostrava um relaxo.
— Desculpe não te oferecer nada. —
disse Abel. — Na minha ausência, Phillip Hart tomou algumas coisas que são
dele... — ele riu. — Tudo é dele, até mesmo a comida da geladeira e armários
que ele levou.
— Nem tudo, seu pai lhe deixou o espelho
de Américo Vespúcio. — Selena falou, com um sorriso. — Aquele espelho vale uma
fortuna, Abel, será um bom começo para você...
Ele riu.
— Se sabe do espelho, sabe do
testamento. Seu pai finalmente deixou você ler?
— Não da forma que pensa, mas eu li. —
respondeu com seriedade. — Ao deixar o espelho para você, seu pai te chamou de
falso e traidor... por que ele falaria algo assim?
— Oh, Selena, sabe que minha relação
com meu pai era complicada.
— Não, Abel, não venha com essa. Se
quer contar comigo, comece a dizer a verdade.
— E estou falando. Nunca foi fácil
estar com meu pai, muito menos conversar com ele sobre qualquer coisa que
fosse. Ele tomou uma decisão.
— Bella me contou que esteve na cidade
diversas vezes no último ano e sabemos que você estava aqui antes da morte de
seu pai.
— Isso já esclareci para a polícia,
fique tranquila.
— Abel, eu não sou a polícia! — Selena
gritou estressada. — Conte logo a verdade. Seu pai deixou a seu maior item, mas
dizendo que você era um traidor. E você estava aqui no dia que ele decidiu
mudar o testamento dele. O que aconteceu?
Abel a encarou e deu uma gargalhada.
— Selena, conheci Phillip Hart com
outro nome, ele visitava meu pai várias vezes ao ano e eu soube por meio de uma
troca de e-mails e mensagens que ele e meu pai faziam, até mesmo cartas... —
ele dizia com entojo. — Ele é um golpista, pode acreditar.
— Abel, não é o que eu li nas cartas
de seu pai com Phillip.
Ele andou pela sala de estar estressado,
tinha raiva guardado em seu peito e em sua voz.
— Se leu as cartas, você sabe do que
estou falando... — Abel suspirou. — Meu era gay, Selena. Era gay! Esteve casado
há 40 anos com minha mãe e morreu se relacionando com outro homem.
— E o que você fez?
— Eu? Tentei impedi-lo de fazer uma
bobeira, como ele fez. Deixou tudo a um homem que conhecera a pouco tempo. —
ele riu. — Eu investiguei Phillip Hart, ele usava o nome de Ethan Quinlan
quando começou a conversar com meu pai, ele foi casado por muitos anos com uma
mulher que morreu há seis anos, ele é de Bath, na Inglaterra.
— Abel, desculpe-me, mas... isso não
significa nada.
— Selena, um homem mentiu para meu pai
e tirou tudo dele!
— Na verdade, tirou tudo de você...
— Tirou a vida do meu pai também. Você
sabe que ele não morreu de velhice.
Selena sentou-se na ponta do sofá e o
olhou.
— Você pediu para que eu fosse visitar
Carlie Johnsson, mas nunca disse a razão...
— Você foi? — ele questionou curioso.
— Sabe que sim, eles ainda são seus
amigos e teriam dito.
— E você se lembrou do que?
— Depende, Abel, o que você quer que
eu me lembre?
— Oras, Selena. De tudo daquela noite
do baile de inverno.
Ela deu risada, sentia que vivia em um
looping eterno com Abel insistindo em algo sem nenhuma explicação aparente.
— Eu queria que você lembrasse porque
eu não me lembro. — ele respondeu com um suspiro. — Tem alguém me torturando
desde que meu pai faleceu naquele dia. Alguém que sabe sobre tudo.
Abel caminhou até a lareira de sua casa
e puxou de dentro dela alguns papeis sujos de poeira, sentou-se ao lado de
Selena e a mostrou:
— Assim que meu pai morreu, ando
recebendo bilhetes anônimos de uma pessoa que sabe até demais, eu não sei de
quem é, mas desconfio de Phillip Hart. Alguém que tentasse me enlouquecer. —
ele mostrou um bilhete. — Antes de ser preso, recebi esse aqui dizendo que as
coisas começaram no baile de inverno e outro bilhete mais antigo, já falava
sobre você ser uma resposta. Eu pensava que você acharia a respostas das coisas
porque estava investigando também, mas, na verdade, percebi que disseram que
você é uma resposta do que acontece agora. — ele riu. — Eu falei do baile de
inverno porque você pudesse lembrar mais do que eu posso fazer, eu tentei e não
lembro de nada porque estava muito bêbado naquela noite, nem da ressaca do dia
seguinte me lembro.
Com os bilhetes em mãos, Selena lia
cada um como um enigma lançado ao Abel e, de fato, para enlouquecê-lo, pois não
diziam nada mais que poucas palavras.
— Isso pode ser alguém fazendo uma
pegadinha...
— Pensei isso também, tanto que
durante um tempo, parei de me importar com os bilhetes, mas essa pessoa conhece
minha casa, conheceu a dinâmica da minha família o suficiente para dizer coisas
que eu mesmo nem lembrava. Mandou-me olhar em lugares dentro de cada, achar
fotos, momentos... não é uma pegadinha. Tem alguém querendo me dizer algo, mas
o que?
Ele recolheu os bilhetes e guardou
novamente, pegou seu celular e a mostrou:
— Lembra da noite que meu pai morreu e
você viu alguém aqui dentro? Fui em três casas que tinham câmera para verificar
se conseguia alguma pista, eu disse à polícia, mas eles não consideraram...
eles não se importam porque já me enxergam como culpado.
— E o que sabe?
— Veja por si mesma...
Entregou seu celular na mão de Selena,
ela assistiu os vídeos e ao reconhecer a pessoa que invadiu a casa dos Tesfaye
naquela noite, Selena ficou boquiaberta.
[CONTINUA]
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