03 julho 2024

O crime da Delancey Street | 08° Capítulo.

Mentir nunca foi o forte de Selena e ela tinha passado a noite pensando em como contar ao seu pai sobre o disco rígido e que tudo não passa de um grande desentendimento, mas ao ver seu pai com raiva e preocupado, não pôde deixar de notar todas as movimentações que ele fizera pela madrugada por conta do seu ato de roubar uma informação do próprio pai. E pior ainda, no momento de nervosismo seu, ter desfeito do item.

Na manhã seguinte, a residência da família Gomez amanheceu silenciosa após a vinda da polícia atrás de um item de extremo valor ao sr. Gomez – tal item que continha informações importantes, e sigilosas, sobre o homicídio do sr. Tesfaye.

Ao descer as escadas, Selena desistira de admitir qualquer coisa, apenas se sentou à mesa e serviu uma xícara de café puro e observou seu pai lendo o jornal matinal. Sua mãe, por sua vez, observava-a com atenção, pois sabe que ninguém mente tão mal quanto Selena.


— Bom, no final da tarde irei passar na delegacia para saber sobre o andamento das investigações, mas na hora do almoço os rapazes da empresa de vigilância que contatei virão instalar as câmeras de segurança.

— O que? — Selena indagou surpresa. — Câmeras? Aqui em casa?

— Sim, é claro. — ele suspirou. — Temo que isso nunca acabará tão cedo e quero prezar pela segurança de vocês. Só de pensar que sua mãe poderia ter se ferido se estivesse em casa no momento do assalto... jamais me perdoaria. E algo acontecer a você também, Selena, não serei capaz de viver com isso.

— Mas isso nem foi discutido...

— Não há o que discutir, Selena. — sua mãe interrompeu-a. — Já decidimos isso ontem, será feito e acabou. Seu pai está no meio de um furacão com esse homicídio do outro lado da rua, nós merecemos a segurança necessária.

— Tudo bem, eu entendo, eu entendo... — Selena respondeu na defensiva. — Eu só levei um susto... câmeras dentro de casa? Qual seria nossa privacidade?

— Abriremos mão da privacidade pela segurança. Pelo menos, até tudo isso terminar.


Selena ficou em silêncio. Seu pai se levantou e subiu as escadas rumo ao escritório. Sua mãe a encarou mais uma vez, sem que Selena percebesse que era observada de perto.


— Selena! — sua mãe a chamou. — Conte a verdade ao seu pai, ele entenderá!

— Verdade sobre o que?

— Sobre o disco rígido dele que desapareceu. Eu sei que você pegou as coisas dele ontem e devolveu quando voltou, mas não devolveu tudo.


Selena ficou em silêncio e pensativa.


— Responda-me, minha filha, por que mexeu nas coisas do seu pai?


Após respirar fundo, Selena viu que não tinha escapatória, sua mãe realmente sabia a verdade sobre o que ocorrera na noite passada.


— Pensava que papai sabia de algo e realmente sabe. — Selena contou. — Tinha um vídeo da Abel discutindo com Phillip Hart e sr. Tesfaye. Era uma briga feia! E parece que foi papai que filmou.

— Sim, sempre soube disso. — sua mãe respondeu serena. — Não era a primeira vez que Abel discutia com o pai por inúmeros motivos, mas... é complicado, minha filha.

— O que é tão complicado assim que todos falam e eu não entendo?

— O que é complicado é a relação deles e Abel é seu amigo, você sempre gostou muito dele e talvez devesse ir conversar com ele.


Voltaram ao silêncio quando seu pai desceu as escadas, despediu-se e foi trabalhar. Selena aproveitou a deixa de seu pai e subiu para seu quarto e olhou no lixo e, de fato, o disco rígido estava quebrado. Neste momento, Selena percebeu na burrada que fizera, pois, além do vídeo, tinha outros arquivos com senha que ela não tinha acessado.

Ela olhou pela janela e Abel a olhava com um sorriso, ele acenou e ela retribuiu. Selena sabia que tinha que conversar com o Abel após a sua saída da prisão e era melhor o quanto antes de conversar com seu pai.

Antes, tomou banho e colocou um conjunto esporte, penteou seu cabelo em um rabo-de-cavalo e atravessou a rua para uma visita ao seu amigo. Ela bateu na porta e em poucos segundos Abel atendeu, como se já a esperasse.


— Achei que não viria... — disse Abel, com um sorriso. — Estava com saudades!

— Bom, como você não aceitou visitas, eu resolvi dar um tempo a você...


Ela entrou na casa cujo primeiro cômodo era a sala de estar – onde o vídeo da briga acontecera. Selena sentiu um calafrio ao imaginar aquela cena ao vivo. Além disso, a casa estava a cada dia mais descuidada – o acúmulo de sujeira e poeira, a bagunça de roupas de Abel jogada e desorganizadas, algumas garrafas de bebida alcoólica e pacotes de comida industrializadas espalhadas demostrava um relaxo.


— Desculpe não te oferecer nada. — disse Abel. — Na minha ausência, Phillip Hart tomou algumas coisas que são dele... — ele riu. — Tudo é dele, até mesmo a comida da geladeira e armários que ele levou.

— Nem tudo, seu pai lhe deixou o espelho de Américo Vespúcio. — Selena falou, com um sorriso. — Aquele espelho vale uma fortuna, Abel, será um bom começo para você...


Ele riu.


— Se sabe do espelho, sabe do testamento. Seu pai finalmente deixou você ler?

— Não da forma que pensa, mas eu li. — respondeu com seriedade. — Ao deixar o espelho para você, seu pai te chamou de falso e traidor... por que ele falaria algo assim?

— Oh, Selena, sabe que minha relação com meu pai era complicada.

— Não, Abel, não venha com essa. Se quer contar comigo, comece a dizer a verdade.

— E estou falando. Nunca foi fácil estar com meu pai, muito menos conversar com ele sobre qualquer coisa que fosse. Ele tomou uma decisão.

— Bella me contou que esteve na cidade diversas vezes no último ano e sabemos que você estava aqui antes da morte de seu pai.

— Isso já esclareci para a polícia, fique tranquila.

— Abel, eu não sou a polícia! — Selena gritou estressada. — Conte logo a verdade. Seu pai deixou a seu maior item, mas dizendo que você era um traidor. E você estava aqui no dia que ele decidiu mudar o testamento dele. O que aconteceu?


Abel a encarou e deu uma gargalhada.


— Selena, conheci Phillip Hart com outro nome, ele visitava meu pai várias vezes ao ano e eu soube por meio de uma troca de e-mails e mensagens que ele e meu pai faziam, até mesmo cartas... — ele dizia com entojo. — Ele é um golpista, pode acreditar.

— Abel, não é o que eu li nas cartas de seu pai com Phillip.

Ele andou pela sala de estar estressado, tinha raiva guardado em seu peito e em sua voz.

— Se leu as cartas, você sabe do que estou falando... — Abel suspirou. — Meu era gay, Selena. Era gay! Esteve casado há 40 anos com minha mãe e morreu se relacionando com outro homem.

— E o que você fez?

— Eu? Tentei impedi-lo de fazer uma bobeira, como ele fez. Deixou tudo a um homem que conhecera a pouco tempo. — ele riu. — Eu investiguei Phillip Hart, ele usava o nome de Ethan Quinlan quando começou a conversar com meu pai, ele foi casado por muitos anos com uma mulher que morreu há seis anos, ele é de Bath, na Inglaterra.

— Abel, desculpe-me, mas... isso não significa nada.

— Selena, um homem mentiu para meu pai e tirou tudo dele!

— Na verdade, tirou tudo de você...

— Tirou a vida do meu pai também. Você sabe que ele não morreu de velhice.


Selena sentou-se na ponta do sofá e o olhou.


— Você pediu para que eu fosse visitar Carlie Johnsson, mas nunca disse a razão...

— Você foi? — ele questionou curioso.

— Sabe que sim, eles ainda são seus amigos e teriam dito.

— E você se lembrou do que?

— Depende, Abel, o que você quer que eu me lembre?

— Oras, Selena. De tudo daquela noite do baile de inverno.


Ela deu risada, sentia que vivia em um looping eterno com Abel insistindo em algo sem nenhuma explicação aparente.


— Eu queria que você lembrasse porque eu não me lembro. — ele respondeu com um suspiro. — Tem alguém me torturando desde que meu pai faleceu naquele dia. Alguém que sabe sobre tudo.


Abel caminhou até a lareira de sua casa e puxou de dentro dela alguns papeis sujos de poeira, sentou-se ao lado de Selena e a mostrou:


— Assim que meu pai morreu, ando recebendo bilhetes anônimos de uma pessoa que sabe até demais, eu não sei de quem é, mas desconfio de Phillip Hart. Alguém que tentasse me enlouquecer. — ele mostrou um bilhete. — Antes de ser preso, recebi esse aqui dizendo que as coisas começaram no baile de inverno e outro bilhete mais antigo, já falava sobre você ser uma resposta. Eu pensava que você acharia a respostas das coisas porque estava investigando também, mas, na verdade, percebi que disseram que você é uma resposta do que acontece agora. — ele riu. — Eu falei do baile de inverno porque você pudesse lembrar mais do que eu posso fazer, eu tentei e não lembro de nada porque estava muito bêbado naquela noite, nem da ressaca do dia seguinte me lembro.


Com os bilhetes em mãos, Selena lia cada um como um enigma lançado ao Abel e, de fato, para enlouquecê-lo, pois não diziam nada mais que poucas palavras.


— Isso pode ser alguém fazendo uma pegadinha...

— Pensei isso também, tanto que durante um tempo, parei de me importar com os bilhetes, mas essa pessoa conhece minha casa, conheceu a dinâmica da minha família o suficiente para dizer coisas que eu mesmo nem lembrava. Mandou-me olhar em lugares dentro de cada, achar fotos, momentos... não é uma pegadinha. Tem alguém querendo me dizer algo, mas o que?


Ele recolheu os bilhetes e guardou novamente, pegou seu celular e a mostrou:


— Lembra da noite que meu pai morreu e você viu alguém aqui dentro? Fui em três casas que tinham câmera para verificar se conseguia alguma pista, eu disse à polícia, mas eles não consideraram... eles não se importam porque já me enxergam como culpado.

— E o que sabe?

— Veja por si mesma...


Entregou seu celular na mão de Selena, ela assistiu os vídeos e ao reconhecer a pessoa que invadiu a casa dos Tesfaye naquela noite, Selena ficou boquiaberta.


[CONTINUA]

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