06° Capítulo – “Os rumores são verdadeiros”
A manhã chegava suave, com aquele
brilho perolado que somente o inverno profundo oferecia. Dentro do quarto de
hóspedes, o aquecedor zumbia baixo e a luz branca filtrava-se pelas cortinas,
iluminando dois corpos ainda entrelaçados.
O peso do braço de Thomas sobre a
cintura de Taylor era quente e firme – quase como se buscasse protegê-la. Ela
foi a primeira a despertar, sentindo a maneira que ele a envolveu em seu corpo
de maneira natural, sorriu e permaneceu quieta por alguns segundos, ouvindo a
respiração dele – calma e profunda, quase sincronizada com a dela.
Quando Taylor se mexeu, Thomas
despertou junto, murmurando algo inaudível antes de abrir os olhos.
— Bom dia... — ele disse, baixinho,
com a voz rouca.
Trouxe Taylor ainda mais para perto
de seu corpo, deslizou sua mão por dentro da barriga dela e beijou sua testa.
Ela manteve-se quieta, apenas com um sorriso tímido no rosto – sentia-se em um
sonho distante, apenas queria aproveitar o momento.
Ele levantou a mão e tocou sua
bochecha, lento. Depois deslizou o polegar até o canto de sua boca. Taylor se
aproximou sem perceber, o corpo reagindo antes de qualquer pensamento.
O beijo foi inevitável.
Primeiro suave — depois não tanto.
Thomas a puxou para cima de si, as
mãos percorrendo suas costas por baixo da camiseta. O ar ficou quente. Ela se
agarrou à nuca dele, perdida, entregue, sentindo algo que não sentia há muito
tempo.
Ficaram ali mais alguns instantes,
sem pressa, como se o mundo esperasse que se levantassem.
O sol ainda nascia por trás das
montanhas quando ouviram sons de portas de carros batendo e conversas paralelas
não tão longe dali. Taylor arregalou os olhos, tinha acordado daquele sonho e o
mundo não os esperava.
— O que é isso? — Thomas
questionou, confuso.
Taylor não respondera – até porque nem
ela sabia o que poderia ser. Levantou-se do colo de Thomas e olhou pela fresta
da janela e vira o que parecia inacreditável: conversas e risadas abafadas e
passos na neve ecoaram do lado de fora.
Taylor congelou.
— São clientes — ela murmurou,
surpresa.
Thomas soltou um suspiro frustrado,
mas terno.
— Achei que hoje ia ser só nosso.
— Em época de Natal, isso não
existe — ela riu, selando outro beijo nele, rápido. — E ainda mais com o
Festival de Natal, eles querem os melhores pinheiros.
— E você é dona dos melhores...
Thomas a puxou de volta para um
último beijo lento, profundo, cheio de promessa — e então ela se levantou,
ajeitando a camiseta antes de sair do quarto. Ele ficou deitado por mais alguns
segundos, sorrindo para o teto como um sonhador.
Taylor abriu a porta do quarto de
sua mãe e acordou-a com certa delicadeza.
— Mamãe, temos clientes... — seus
olhos brilharam ao falar. — Irei preparar seu café e vou atendê-los.
Andrea acordou assustada, mas
sorriu ao ver sua filha feliz – realmente feliz depois de tanto tempo. Tinha
uma felicidade genuína em suas palavras e na sua expressão. Ela já ouvia no
lado de fora a agitação e sorriu, dizendo para Taylor:
— Irei te ajudar. — Andrea disse.
— Não precisa, acho que... Thomas
me ajudará. — Taylor respondeu, sem jeito.
— Foi vocês que fizeram isso... —
Andrea. — Vocês trouxeram essas pessoas.
— Como assim, mamãe? — Taylor
perguntou, ajudando-a se levantar.
— Estão curiosos para saber mais
sobre vocês...
— Sobre nós? — Taylor gaguejou. —
N-não tem nada entre nós.
Andrea olhou para a filha com um
sorriso maliciosa e balançou a cabeça, pois ela sabia que a filha não mente
bem, mas manteve-se em silêncio.
— Bom, querida, eles pensam
que existe algo entre vocês. — disse, finalmente. — E você sabe que Thomas não
é um partido ruim. Ele é um bom rapaz e me parece bem atencioso.
— Ele vai embora em alguns dias. —
Taylor respondeu ríspida. — Aqui só foi um... imprevisto... uma parada na vida
dele.
— Querida, você pode se enganar,
mas não pode me enganar.
— Oras, mamãe! Por que esse assunto
agora!? Podemos ter vendas para economizar para salvar nossa casa e a senhora
está perdendo tempo supondo coisas...
— Não são suposições, Taylor. —
disse, serena. — Só quero que saiba que eu vejo as coisas e que eu acho que
você deve se permitir a viver, sentir e ter coisas que deseja.
— Mamãe, desculpa a forma que
falarei, mas você não vê nada.
— Eu vejo sim, querida. Vejo a
forma que voltou a sorrir, a maneira que está mais leve. Eu vejo como ele te
olha, querida, e ele te olha como...
— Como o que? — Taylor indagou.
— Como se procurasse algo assim há
muito tempo. — completou, firme. — E você parece feliz também com isso. —
suspirou. — E se eu não visse nada, como me diz, eu não saberia que dormiu com
ele na sala na outra noite.
Taylor que ajudava-a arrumar a cama,
sobressaltou e corou no mesmo instante – sentiu-se uma adolescência pega, mas
não ousava assumir qualquer sentimento.
— Eu entendo que se sente medo,
depois do Joe... eu entendo que seja difícil, mas você é uma pessoa maravilhosa
que merece ser feliz.
Abaixou a cabeça, piscou rápido
para afastar as lágrimas e serviu os remédios para Andrea, que encarava a filha
firme.
— Pense no que estou te dizendo,
Tay...
— Esqueça isso, mamãe. — balançou a
cabeça. — Vou atender os clientes.
Quando desceu as escadas, encontrou
Thomas numa cena tão domesticamente perfeita: já havia posto a mesa e
finalizava o café da manhã. Já estava vestido e sorriu ao vê-la se aproximando.
— Irei atendê-los e depois venho comer
alguma coisa. — disse ela.
— Espere um pouco, vou com você. —
ele tocara na mão dela. — Vou te ajudar.
Ela engoliu, tentando ignorar o
calor subindo pelo corpo.
— Vamos.
A neve estava compactada sob as
botas quando Taylor e Thomas saíram até a área onde os pinheiros estavam
expostos. Ali, o vento trazia cheiro de madeira, resina e, é claro, natal. Tudo
isso junto ao burburinho animado dos clientes – era gente que Taylor conhecia
de vista e gente que nunca aparecia por ali, mas todos olhavam demais.
As conversas eram baixas, mas não o
suficiente para não serem notadas, mas a Taylor decidiu fingir não ouvir. Já
Thomas resolveu não fingir tanto assim, manteve-se firme e atento à Taylor.
As vendas começaram a fluir.
Um senhor disse que aquele ano
queria um pinheiro “mais cheio, com galhos mais largos”, e Taylor o ajudou
enquanto Thomas segurava o tronco com facilidade.
Uma senhora que nunca comprava ali
pediu duas árvores “porque este ano queria algo especial”.
Outra comentou exageradamente sobre a beleza das árvores, quando na verdade o
que ela observava era Thomas carregando um pinheiro enorme sozinho, como se
pesasse nada.
Mas era impossível não sentir o
olhar dele que a procurava sempre.
A cada aproximação, a cada toque acidental de dedos ao entregar uma serra ou
organizar um suporte, algo entre eles cintilava.
E então veio a primeira alfinetada
do dia.
Um casal mais velho se aproximou,
os dois conhecidos de longa data. A mulher escolhia uma árvore, mas o homem mantinha
o olhar fixo em Thomas.
— Você é o rapaz do banco, certo? —
perguntou, não de modo simpático.
Thomas virou-se com calma.
— Depende do banco — disse com um
sorriso leve.
O homem ignorou o humor.
— Você era gerente do Wells Fargo
em Milwaukee?
De longe, Taylor gelou. A mão dela
parou no galho que ajustava e engoliu seco a saliva – tinha receio de se
aproximar. Mas Thomas não se alterou.
— Fui mais do que isso — respondeu,
sem hesitar. — Por anos, fui Diretor Regional.
A mulher do homem inclinou-se um
pouco, voz baixa, mas maldosa:
— Então você deve conhecer bem o
caso do Scott Swift…
Taylor sentiu o chão balançar —
como se a neve tivesse cedido sob seus pés.
O homem continuou, satisfeito com a
tensão criada:
— Uma pena, né? Um homem cheio de
dívidas… deixou problemas sérios para a família. Triste… mas previsível. Quem
pega empréstimo que não pode pagar—
Thomas interrompeu. Não elevou o
tom e nem foi agressivo. Foi firme — tão firme que o silêncio caiu na fazenda.
— É de muito mau gosto falar assim
de alguém que não está aqui para se defender — disse, com o sotaque britânico
surgindo mais carregado. — Principalmente na casa da filha dele.
Os olhos do casal se arregalaram,
pegos de surpresa.
Thomas continuou — educado, mas com
uma calma perigosa:
— Ainda mais quando vocês não sabem
tudo o que ele enfrentou na época. Críticas são fáceis quando não carregamos o
peso da vida dos outros.
O homem pigarreou.
— Nós… não quisemos ofender…
Thomas inclinou levemente a cabeça.
— Ofenderam — respondeu. — E posso
lhe afirmar que Scott não foi o único a enfrentar algum problema financeiro
neste lugar, mas creio que o senhor não deseja entrar nesse mérito no momento,
ainda mais em um momento importante que é comprar sua árvore. — sorriu,
confiante. — Sorte que sou profissional e ajudarei a escolher a melhor.
O casal apressou-se em escolher o
pinheiro, pagou e saiu.
Só depois que eles se afastaram,
Taylor encontrou a voz.
— Você… não precisava fazer isso —
ela murmurou, mexendo nas próprias mãos para esconder o tremor.
— Ninguém irá te desrespeitar na
minha presença. E nem ao Scott.
Thomas se aproximou um passo — não
o suficiente para encostar, mas perto o bastante para o mundo desaparecer um
pouco.
Os olhos dela se ergueram para os
dele.
E ali, no meio da neve, com
clientes passando, carros estacionando, crianças correndo atrás de cachorros…
havia um momento suspenso.
Thomas abaixou a voz, os olhos
fixos nos dela com uma intensidade nova, quase perigosa.
— Conheço um restaurante na cidade
que gostei muito. E eu quero te levar para jantar comigo hoje.
Ela respirou fundo, perdida no
olhar dele.
Um passo a mais dele e eles se
beijariam de novo. Ali, na frente de todo mundo.
— Thomas… — ela murmurou, quase sem
ar.
— Diga sim. — olhou-a, com um
sorriso malicioso.
— S-sim...
Taylor não evitou a olhar para os
lábios dele. Ele piscou devagar, como se estivesse lutando contra a vontade de
segurá-la.
— Eu sei o que está sentindo.
Também estou tentando me comportar.
Ela riu, nervosa, corando até as
orelhas.
E o dia continuou — por horas.
As vendas não pararam.
Clientes entravam e saíam,
perguntavam, elogiavam, observavam demais.
Algumas mulheres cochichavam sobre como Taylor “finalmente tinha seguido em
frente”. Outras sobre como Thomas era “muito bonito para estar se escondendo
numa fazenda”.
E toda vez que Taylor passava por
ele, a tensão elétrica continuava – e Thomas também sentia.
Ele se aproximava para ajudar com as amarrações das árvores, ficava perto
demais ao orientar sobre o corte do tronco, tocava a mão dela sem
querer-de-propósito.
A neve refletia a luz do sol e Andrea
observava tudo da varanda, com um sorriso quase maternal e quase cúmplice.
Ao final da tarde, enquanto Thomas
carregava o último pinheiro para o carro de uma família, Taylor o observou com
uma emoção que não conseguia nomear.
Quando ele voltou até ela, limpando
a neve do casaco, ela sorriu sem conseguir evitar.
— Obrigada. Você ajudou muito hoje.
Ele inclinou-se um pouco,
aproximando os rostos mais do que o necessário.
— Chama-me quando estiver pronta
para o nosso jantar... — disse, num sussurro quente que fez a espinha dela
arrepiar.
— Thomas… — ela suspirou. — Não sei
se é o momento certo para isso...
— Dane-se eles, Taylor. — respondeu,
educado. — Eu quero te levar para jantar essa noite e eu não me importo com
nenhum deles.
Taylor assentiu e Thomas aproximou-se
perto demais para beijá-la, mas conteve-se naquele momento, mas os olhares que trocavam
diziam muito: ela tinha dito sim, eles teriam um encontro e ele não queria
esperar mais nem um segundo para isso.
Mas esperou.
E então, o sol já havia se
escondido atrás das montanhas quando Taylor subiu para o quarto, o coração
batendo tão rápido que parecia acompanhar cada passo na escada. A fazenda
estava silenciosa, exceto pelo som distante de Thomas guardando ferramentas e
colocando as últimas coisas no celeiro — como se ele também estivesse matando
tempo para não pensar demais, mas pensar demais era exatamente o que eles
estavam fazendo.
Ao entrar no quarto, fechou a porta
com cuidado, encostou-se nela e soltou um longo suspiro que carregava
nervosismo… e desejo.
Taylor abriu o guarda-roupa, mas
ficou apenas olhando para as roupas por longos segundos. Nada parecia bom o
suficiente para acompanhá-lo — não depois dos beijos que trocaram, não depois
de se permitir ser vulnerável ao lado dele. Além do mais, Taylor olhava suas
roupas e já não lembrava a última vez que se vestiu bem, que se produziu para
algo desde que seu pai faleceu.
Já no outro cômodo, Thomas estava
no quarto de hóspedes, parado diante da mala aberta, a toalha ainda pendurada
no ombro depois do banho quente. Passou a mão pelo cabelo úmido, respirando
fundo. Ele não lembrava a última vez que sentiu esse tipo de antecipação —
aquela mistura de ansiedade e fome que vinha do simples fato de saber que
estaria sozinho com ela, olhando-a sem precisar esconder nada.
Ele tentava se conter, pensara que
era só um jantar, mas ele sabia que a verdade mais cruel era que bastasse um
toque dela para que todos os pensamentos racionais evaporassem.
Mexeu nas peças de roupas que
trouxe consigo e escolheu uma camisa azul-marinho que moldava o tórax e deixava
o sotaque britânico ainda mais evidente por algum motivo. Vestiu um casaco de
lã cinza escuro, calça preta e botas de couro.
Olhou-se no espelho.
Quando desceu as escadas, encontrou
Andrea na sala de estar, sentada na poltrona com um sorriso que era tão
maternal quanto cúmplice.
— Cuide de minha filha — disse, com
uma sobrancelha levantada.
Thomas sorriu, cordial.
— Vou cuidar.
Antes que pudessem trocar qualquer
outra palavra, ouviram passos firmes, marcados descendo a escada como um grande
anúncio. Era Taylor com uma expressão tímida, mas deixou tanto sua mãe, quanto
Thomas boquiabertos.
Ela usava uma jaqueta shearling
marrom, forrada de lã branca, que criava um contraste suave com a luz que batia
nela. O suéter verde-oliva aparecia por baixo, desenhando seu corpo sem
exagero. A saia xadrez marrom e creme descia em ondas sutis até metade da coxa,
balançando com o vento que entrava no celeiro. As meias pretas translúcidas
alongavam as pernas até encontrarem as botas vinho de salto alto, que
denunciavam a razão daqueles passos firmes.
E o cabelo solto — sempre ele —
moldando o rosto iluminado por um batom vermelho discreto, que deixava a
expressão dela perigosamente irresistível.
Thomas não conseguiu responder de
imediato, não conseguiu fingir neutralidade.
Seus olhos percorreram cada detalhe,
cada curva de seu corpo.
Nem tentou disfarçar o impacto.
— Taylor… — sua voz saiu baixa,
quente, quase rouca. — Você está… linda.
Taylor corou, os dedos apertando a
bolsa pequena.
O ar entre eles ficou quente de
novo. Andrea tossiu de leve, apenas para ser lembrada.
Eles desviaram o olhar, quase
culpados.
— Divertem-se essa noite. Depois de
um longo dia de trabalho, vocês merecem. — Andrea disse, beijando a testa da
filha.
— Voltamos logo. — avisou, Taylor.
— Não se preocupem comigo, já vou
me deitar. — disse. — Quando chegarem, já estarei dormindo, então, aproveitem
bem a noite.
Eles sorriram, sem jeito para o
óbvio que estava exposto à Andrea.
— Vamos? — perguntou, mas seus
olhos diziam outra coisa.
Ele ofereceu o braço e ela aceitou.
E enquanto caminhavam até o volvo
preto de Thomas, ainda sob o céu frio da fazenda, Thomas sentiu algo
completamente novo: o desejo, mas também o medo leve e delicioso de estar
perdendo o controle. E Taylor — pelo jeito que apertou o braço dele — parecia
pronta para empurrá-lo ainda mais fundo nisso.
— Você... você está ainda mais
linda.
— Tom, por favor...
Deram partida na estrada. O carro
de Thom era elegante e potente, dentro do carro, só havia o som do motor e da
neve sob os pneus — mas o silêncio era carregado, sensual e elétrico
Thomas dirigia com uma mão no
volante e a outra apoiada na marcha. Até que Taylor deslizou a mão para ajeitar
o cinto e seu braço encostou no dele.
Ele fechou os olhos por meio
segundo.
— Temos que parar de nos provocar
nos tocando sem querer dessa forma... — disse com a voz baixa, rouca.
Ela virou o rosto para a janela,
mordendo o lábio para conter o sorriso.
— Nem comecei a te provocar... —
respondeu, num tom malicioso.
Thomas soltou uma risada profunda,
quase perigosa.
O aquecedor deixava a cabine
quente, mas não era isso que fazia o peito de Taylor latejar — era o modo como
ele olhava para nas paradas, como se a saia curta levemente levantada fosse um
convite que ele buscava respeitar… por pouco.
O estacionamento do pequeno
restaurante no centro parecia mais cheio do que o habitual. As luzes de Natal
pendiam das varandas como constelações domésticas, e o cheiro de pinho
misturado a chocolate quente escapava pela porta principal.
Assim que Thomas estacionou a
caminhonete, Taylor percebeu imediatamente os olhares. Alguns discretos. Outros
nem tanto – é o tipo de atenção que só existia em cidade pequena e que só
crescia quando envolvia o sobrenome Swift.
Thomas saiu primeiro, contornou o
carro e abriu a porta para ela. Um gesto simples, mas que fez dois adolescentes
cochicharem e rirem baixinho. Uma senhora que estava entrando parou no meio do
caminho para “ajustar o cachecol”, embora seu olhar estivesse fixo nos dois.
— Parece que estamos virando
atração turística — Taylor murmurou, ajeitando a saia e descendo do carro.
— Acho que nunca viram uma mulher
tão bonita quanto você antes...
Ele olhava-a com os olhos brilhando
– de admiração e tensão que envolvem os dois. Thomas esticou sua mão, ela riu e
aceitou, sentindo segurança no gesto.
O restaurante exalava calor, cheiro
de canela e vozes animadas. Porém, assim que a porta se abriu, houve um breve
silêncio. Daqueles que duram menos de dois segundos, mas parecem eternos.
As pessoas notaram e comentavam.
A hostess, Ruby, uma jovem de olhar
vivo, os recebeu com um sorriso grande demais para ser completamente natural.
— Mesa para dois? — ela perguntou,
mas seu olhar dizia: então os rumores eram verdade.
— Por favor — Thomas respondeu,
firme.
Enquanto ela os guiava até uma mesa
mais reservada, Taylor sentiu a tensão aumentar na base da nuca. Não era só a
presença dele. Era o peso da cidade pairando sobre eles — e sobre o nome do pai
dela.
Ruby pousou os menus e, antes de ir
embora, disse com um sorriso insinuante:
— Vocês formam um casal muito
bonito.
Taylor corou. Thomas ergueu uma
sobrancelha.
— Obrigado — ele respondeu, sem
negar.
E Ruby saiu praticamente flutuando
para espalhar a novidade.
Assim que se sentaram, Taylor
sentiu o peso de alguns olhares atrás de si. Sussurros. Murmúrios. Pequenos
venenos sociais que faziam o ar parecer mais frio que do lado de fora.
— Eu disse que isso era uma má
ideia… — ela murmurou, mexendo nervosamente no guardanapo.
— Foi uma ótima ideia — Thomas
corrigiu, pegando a mão dela por baixo da mesa, escondido. — Eles vão falar de
qualquer jeito.
Ela soltou uma risada
incredulamente suave e olhou-o, mais séria.
— Sinto que você quer me perguntar
algo. — Thomas. — Vamos usar essa noite para nós.
— Na verdade, é tanta coisa que
está passando na minha cabeça no momento...
Ela respirou fundo e indagou:
— Tem alguém te esperando em
Londres?
— Apenas minha irmã, Emma, e minha
sobrinha, Marianne. — Thomas sorriu ao lembrar delas.
— Você é tão... — ela pausou,
tentando achar a palavra correta. — Não sei dizer, mas é difícil acreditar que não
tenha ninguém.
— Não tem o porquê mentir para
você, então, vou te dizer que existiu uma pessoa, mas que ficou no passado há
meses... — respondeu, firme. — e sem nenhuma possibilidade de voltarmos. —
aproximou-se da borda da mesa. — Taylor, quero que saiba que estou realmente
interessado por você e em você que quero focar.
— E quando chegar o momento de você
partir? — ela o olhou. — Você sabe que não ficará neste fim de mundo para
sempre e esse lugar não é para você...
— De fato, voltarei para Londres
antes do ano novo, mas porque preciso resolver algumas coisas importantes, mas
se você me der uma chance, não partirei para sempre.
Thomas deixou os dedos tocarem os
dela por cima da mesa, desta vez, à vista.
— Eu sinto que te conheço há muito
tempo porque sempre ouvi Scott falar tão bem de você e ter te conhecido, ter
dado rosto ao que tanto ouvi... tem sido maravilhoso. E perceber que você é
ainda mais incrível do que ele descrevia. — suspirou. — Agora, eu quero que
você me conheça também e, se você tiver interesse, tentarmos construir algo.
— É muito cedo... — disse ela.
— Tenho paciência. — ele sorriu. —
Se você me disser sim, eu te espero.
— Oh, Tom... — ela balançou a cabeça.
— Londres para o interior de Wisconsin, não é algo que daria certo no mundo
real.
— Deixe o tempo dizer.
O garçom trouxe água, mas esqueceu
os cardápios extras porque estava ocupado demais observando os dois. Thomas o
esperou se afastar antes de continuar:
— E eu gostaria de tentar.
Ela corou imediatamente.
Ele se inclinou mais — perto o
suficiente para ela sentir o cheiro dele, aquele misto de café, madeira e
inverno. As pernas deles se encostaram por debaixo da mesa. Ela respirou fundo.
— Thomas…
— O quê?
— Você está… muito perto.
— Eu sei.
Ele não recuou. Ao contrário, pegou
na mão dela e beijou.
Taylor sentiu todo o calor subir
pelo corpo – e sentiu algo novo: não queria que ele se afastasse.
O pedido chegou — sopa quente, pão,
carne assada, mas nenhum dos dois parecia realmente interessado na comida.
A conversa entre eles mudou. Ficou
mais lenta e íntima. Conversam sobre experiências da vida, sobre a infância,
sobre histórias engraçadas. E, também, sobre o futuro.
Ela pôde ver nele algo que antes só
supunha: vulnerabilidade real, sincera.
E Thomas viu nela algo que ninguém da cidade enxergava: uma mulher tentando
sobreviver ao luto, ao julgamento, às expectativas — e ainda assim forte e
confiante.
Em dado momento, Taylor deixou
escapar:
— Eu me sinto… leve com você. E
isso não acontece comigo faz muito tempo.
Thomas segurou o queixo dela com
suavidade, fazendo-a olhar para ele.
— E eu me sinto vivo com
você. E isso não acontecia comigo há muito mais tempo.
As luzes do restaurante refletiam
nos olhos dela – tremiam como se estivessem prestes a confessar algo.
Então ele disse, com a voz mais
lenta e mais honesta daquela noite:
— Taylor… isso aqui — apontou
discretamente entre os dois —não é uma distração, você sabe disso.
Ela engoliu seco, o corpo inteiro
respondendo antes da mente.
— Eu sei.
E foi ali, naquela mesa pequena,
cercada por gente inconveniente, fofocas, pratos de sopa e luzes natalinas, que
o vínculo deles deixou de ser apenas tensão recíproca. Virou escolha.
E nenhum dos dois parecia disposto
a voltar atrás.
Quando terminaram o jantar — mais
conversas trocadas com os olhos do que com palavras — Thomas levantou-se
primeiro e ajudou Taylor a vestir o casaco. O toque dele em sua cintura era
seguro, quente, íntimo o suficiente para deixá-la sem ar por um segundo.
Assim que saíram para o lado de
fora, o frio cortante os envolveu, e Taylor instintivamente se aproximou dele.
Thomas passou o braço pelos ombros dela para aquecê-la, mas fez isso de maneira
tão natural que parecia que faziam aquilo há meses, e não dias.
Eles atravessaram o pequeno
estacionamento coberto de neve fina, iluminado pelas luzes amareladas dos
postes. Thomas a manteve perto — quase colada ao lado dele — e, sem pensar
muito, deixou a mão escorregar pela lateral do corpo dela até pousar na cintura.
Taylor sentiu o ar falhar, mas não
se afastou, inclinou-se mais, rindo de algo que ele tinha acabado de cochichar
— era uma risada leve, tímida, mas real. Thomas adorava aquilo.
Um flash de movimento do lado
esquerdo chamou a atenção de Taylor — e, no mesmo instante, seu coração
despencou.
Joe estava parado próximo à saída
do restaurante, segurando uma sacola de papel. Ele congelou no lugar ao vê-los.
O olhar dele percorreu a cena devagar:
Thomas abraçando a cintura dela, o corpo dela encostado no dele, o sorriso
discreto de Thomas quando percebeu que ela arrepiava ao toque… e então Joe
franziu o cenho.
Taylor sentiu o rosto arder –
talvez de culpa e uma velha ferida reabrindo.
Thomas seguiu o olhar dela e
encontrou o homem parado, mas ele não se intimidou ou recuou; ele tinha confiança
e estreitou ainda mais o braço ao redor dela.
Joe manteve o olhar sobre eles por
alguns segundos intensos. Havia surpresa ali. E algo mais: arrependimento e seu
orgulho ferido.
Taylor desviou o olhar primeiro. Thomas
não.
Ele analisou a cena com precisão
silenciosa, o maxilar marcando forte, mas sem perder a compostura. Não era um
homem dado a confrontos públicos, mas também não era alguém que recuasse quando
a situação exigia uma postura clara.
Joe parecia aproximar-se, como se
estivesse indeciso entre fingir ou interpelar.
Thomas percebeu a hesitação e então
fez algo simples, mas definitivo.
Ele abriu a porta do carro para
Taylor, inclinando-se perto dela. E, antes que ela pudesse protestar ou se
confundir, ele segurou o rosto dela com uma das mãos, com uma delicadeza firme,
e a beijou.
Um beijo metade suave, metade
possessivo. Cheio de intenção e tinha mensagem. E cheio de certeza.
Taylor ficou sem ar por um segundo.
O choque, o calor, o coração batendo rápido demais… tudo se misturou. Os dedos
dela apertaram involuntariamente a jaqueta dele.
Quando Thomas se afastou, os olhos
dele estavam fixos nos dela. Profundos. Intensos.
— Entra — disse ele, num tom rouco,
que parecia mais íntimo do que deveria.
Ela obedeceu.
Thomas deu a volta no carro, mas
antes de entrar do próprio lado, trocou um olhar com Joe – firme, inabalável,
um aviso silencioso de que ali não havia espaço para ele.
Joe não disse nada, mas o que
sentia estava estampado.
Thomas entrou e fechou a porta. O
barulho abafado do interior do carro fez o mundo lá fora desaparecer.
O silêncio entre eles queimava.
Taylor ainda sentia a boca quente,
ainda tremia leve.
— Desculpa — Thomas murmurou, mas
não parecia arrependido. — Eu só...
Ela não respondeu, não era porque
estava brava, mas porque tudo dentro dela estava uma bagunça bonita e
assustadora.
Thomas ligou o motor. O som
preencheu o carro, e a neve começou a bater no para-brisa.
No caminho de volta para a fazenda,
Taylor ficou olhando pela janela, o reflexo do pinheiro gigante da praça
passando por seus olhos como uma lembrança distante.
A luz fraca dos postes passava
pelos rostos deles, criando sombras suaves.
Taylor apoiou a cabeça no vidro do
passageiro dele. Thomas apertou sua mão sobre o colo dela, passando o polegar
em círculos lentos — tão íntimo que ela sentiu vontade de fechar os olhos e
permanecer ali para sempre.
Sentia um conforto novo, precioso,
quase assustador de tão fácil.
Quando estacionaram na fazenda,
Thomas desligou o carro, mas ficaram alguns segundos quietos, apenas respirando
o mesmo ar, olhando-se na penumbra.
— Sobre o beijo... — Thomas
começou, mas fora interrompido.
— Eu sei... — ela respondeu, calma.
Ele a acompanhou até a porta,
passou a mão brevemente na cintura dela – só um toque leve, mas Taylor ficou na
sala.
— Vou ficar um pouco aqui... —
disse ela. — acho que preciso pensar um pouco sozinha.
— Tudo bem... você sabe onde me
encontrar, se quiser...
Ela sorriu e agradeceu, Thomas não
resistiu em beijá-la novamente. Ele subiu as escadas rumo ao quarto de hóspedes
e Taylor sentou-se na antiga poltrona de seu pai.
E então, o silêncio caiu.
A casa estava silenciosa quando
Taylor finalmente ficou sozinha na sala.
O calor suave da lareira fazia sombras dançarem pela parede e refletirem nos
enfeites dourados da árvore de Natal. Era a mesma árvore que seu pai montava
todos os anos — não importava as dívidas, não importava o estado da fazenda.
Para Scott Swift, o natal era uma
promessa: tudo ficaria bem.
Ela afundou na poltrona dele. A
poltrona onde ele descansava ao final de dias intermináveis, onde ele ria alto,
onde reclamava do frio, onde contava histórias que misturavam realidade com
fantasia só para vê-la sorrir.
E agora era ela ali, abraçada a um
silêncio que pesava mais do que qualquer lembrança.
O cheiro de Thomas ainda estava na
jaqueta que usava. E o beijo dele — aquele beijo inesperado, impulsivo e meio
possessivo ainda queimava em sua boca. Ela encostou os dedos nos lábios,
sentindo tudo voltar em ondas: o toque firme, o olhar dele logo depois, a
certeza que ele transmitia sem dizer nada.
Uma certeza que ela já não tinha,
pois quando Joe apareceu naquele momento, uma parte do passado que ela achava
que estava enterrado, na verdade, ainda não estava porque existia uma ferida
aberta em seu coração – não porque ainda o amasse, ou ainda amava?
Não era capaz de responder a si
mesma, uma ferida que ela simplesmente passara por cima sem curar porque ela
tinha outras feridas escancaradamente abertas. E ela lembrou de Joe como um
espaço seguro que foi para ela por muito tempo, mas que terminou com ela sendo
um peso em sua vida – porque o peso de sua dor era muito grande.
Então, vê-lo ali doeu, mas doeu
porque uma parte dela sentiu que ainda devia algo a ele, mesmo que não saiba
nomear. E então havia Thomas, com aquele jeito calmo e firme, com aquele olhar
que parecia segurá-la inteira, que a defendia sem que ela precisasse pedir e falava
com honestidade rara. O Thomas que a beijara com uma certeza que ela não sentia
há muito tempo.
Ela suspirou fundo, apoiando a
testa nos joelhos dobrados.
— Pai… — disse num sussurro rouco,
quase infantil. — O que o senhor diria de mim agora?
O piscar das luzes pareceu
responder no lugar dele em uma sequência suave, quase melancólica.
— Eu estou… me permitindo sentir de
novo. Algo que achei que não aconteceria mais. — engoliu seco. — Mas será que é
certo? Será que o senhor ficaria orgulhoso... ou decepcionado?
A lembrança do sorriso largo do pai
veio com força, com voz grave que sempre dizia: “Você merece o mundo, Tay.”
Ela levantou os olhos para a
árvore. Para a foto do pai segurando uma xícara de chocolate quente, rindo ao
lado de Thomas – uma foto tão distante dela, de um tempo mais simples.
E então finalmente admitiu, em um
sopro tão baixo que talvez nem a própria casa tenha ouvido:
— Eu estou me apaixonando por ele.
As palavras ficaram suspensas no
ar. Pesaram nela e depois a libertou.
Mas junto delas veio uma onda fria
de culpa, dúvida e pânico.
Era demais.
Rápido demais.
Confuso demais.
Taylor puxou a manta do sofá,
abraçou-a contra o peito e fechou os olhos.
Só precisava de um minuto.
Um único minuto para respirar, mas o corpo cansado não esperou.
[CONTINUA]

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