30 de novembro de 2025

dancing with the devil | 02° Capítulo.

A rotina dos Mayer começava antes mesmo de Taylor cruzar os portões da propriedade.

Jason, o motorista, era sempre o primeiro a aparecer: impecável em seu terno escuro, pontual ao ponto de ser previsível, guiando Rachel entre o colégio, o balé e as incontáveis atividades extracurriculares que sua mãe acreditava serem indispensáveis para formar a filha perfeita. Nos intervalos, Jason também se tornava sombra e escolta de Katheryn, acompanhava-a a almoços, eventos beneficentes, galerias de arte e pequenos circuitos culturais que ela percorria como quem cumpre uma obrigação social. Os finais de semana, para ele, raramente ofereciam descanso.

John, por outro lado, recusava qualquer tipo de motorista. Fazia questão de dirigir seu Aston Martin DBS preto, que parecia rugir cada vez que avançava pelos bairros de Londres. Taylor o interpretava como um gesto de orgulho — quase um troféu ambulante, uma forma de provar, diariamente, onde seu sucesso havia o conduzido.

A casa, porém, tinha vida própria que era sustentada por pessoas que orbitavam discretamente em torno da família.

Amira e Salma, as cozinheiras, eram imigrantes de Omã que já trabalhavam para os Mayer há sete anos. Eram habilidosas, eficientes, e nutriam por Rachel um carinho tão genuíno que contrastava com os comentários ácidos que trocavam em árabe sobre o casal sempre que tinham a oportunidade.

A faxineira, Sabrina, era praticamente o oposto da rigidez silenciosa das duas. Jovem, risonha, cantarolava músicas populares enquanto aspirava os tapetes persas, e frequentemente recebia reprimendas duras de Katheryn — que ela sempre ignorava com um sorriso cansado e um aceno de mão.

E havia ainda Juan Rosado, o jardineiro, latino, vinte e poucos anos, com problemas imigratórios que o deixavam sempre alerta. Trabalhava com devoção, quase com gratidão silenciosa, especialmente para John, a quem tratava com uma lealdade visível. Só aparecia às quartas-feiras ou em vésperas de eventos importantes, quando os jardins da família precisavam parecer tão perfeitos quanto seus anfitriões.

— O que está fazendo? — Katheryn perguntou, inclinando-se para espiar a caderneta aberta nas mãos de Taylor.

— Só algumas anotações iniciais — respondeu a jovem, fechando suavemente o caderno. — Gosto de registrar nomes, horários e rotinas. Ajuda a não cometer erros.

Katheryn sorriu como quem aprova, mas sem realmente se importar.
Continuou guiando Taylor pelos cômodos enquanto narrava histórias longas, fúteis, recheadas de fofocas sociais e lembranças de festas que, para ela, eram memoráveis, ainda que para qualquer outra pessoa soassem vazias.

A casa refletia seu estilo: uma mistura de rusticidade forçada, objetos culturais comprados mais pelo valor do que pela história, e detalhes que gritavam tentativa de se provar. Taylor reconhecia quase tudo: Katheryn já havia exibido boa parte daqueles espaços no Instagram, acompanhando cada fotografia de legendas motivacionais do tipo tudo é possível se você acreditar.

Taylor apenas fingia surpresa, movimentando os olhos de forma teatral, enquanto a anfitriã parecia nutrir a delusão de estar mostrando algo inédito e invejável.

Quando chegaram à sala de estar, Katheryn informou que Rachel estava prestes a chegar para o almoço e que John gostaria de conversar com ela. Assim que a mulher se afastou, Taylor levou a mão ao estômago. O peso familiar da ansiedade, frio e denso, subiu-lhe à garganta.
Uma parte dela queria correr, fugir antes que algo desse errado. Mas ela repetia para si mesma: Você conseguiu entrar. Agora não vai recuar.

Respirou fundo.

Caminhou até a lareira, observando os retratos alinhados na prateleira superior. Fotos de meninas em tutus, figurinos impecáveis, sorrisos capturados no auge de suas esperanças.
Nenhuma foto mostrava o que um dia fora ela. Aquilo, por si só, era um alívio.

— São minhas alunas... — disse uma voz atrás dela.

Taylor se virou com a calma ensaiada de quem já tinha esperado aquele momento.
John estava ali, sorrindo com o mesmo orgulho que ostentava nas redes sociais.

— Tenho muito carinho por cada uma. — ele continuou. — Elas representam etapas importantes da minha carreira.

Ele a convidou a se sentar. Taylor obedeceu.

— Não sei se Katy explicou com detalhes — disse John, pegando uma moldura da prateleira — mas eu tenho um estúdio de balé. É… minha verdadeira paixão.

Katheryn voltou a sala de estar e completou com um sorriso automático:

— Ele realmente é apaixonado por ensinar.

John estendeu o retrato, mostrando a primeira turma oficial. Falava com brilho nos olhos, explicando como tudo mudara após aquela apresentação no Teatro Municipal, como sua carreira disparara, como “a paixão transforma realidades”.

Taylor ouviu tudo com o rosto calmo, mas os dedos escondidos em seu colo tremiam.
Cada palavra dele era como tocar uma cicatriz.

Quando sua fala terminou, Katheryn retomou o assunto:

— Você ainda vai amar conhecer Rachel. Ela é incrível. Muito dedicada, muito… intensa. Herdou isso do pai. Tem vontade de transformar as coisas, ela realmente pensa que pode mudar o mundo e nós acreditamos e a motivamos para isso. John disse tudo quando falou sobre paixão.

Taylor apenas assentiu e respondeu:

— Quero fazer jus à confiança que está sendo depositada em mim.

— E irá fazer. Eu olho para você e acredito nisso. — John. — Você tem um olhar de quem carrega paixão para seus objetivos.

O som de um carro freando na entrada interrompeu a conversa, Taylor ergueu o pescoço para tentar enxergar da fresta da janela central, mas só viu uma criança correr de relance. Era Rachel.

Quando voltou sua atenção ao casal, percebeu John observando-a atento, com um sorriso.

John se levantou.

— Venha conhecê-la. — disse, gentil.

Taylor o seguiu até a sala de jantar. Ouviu passos apressados subindo a escada. Depois, passos voltando. Pequenos, ansiosos.

E então Rachel apareceu.

Era diferente das fotos: mais viva, mais real. Tinha cabelos castanhos escuros presos às pressas, bochechas coradas, respiração acelerada — um contraste perfeito com a compostura quase gélida dos pais.

Taylor sorriu primeiro.

A menina, tímida, devolveu o gesto.

A mesa estava posta e o almoço começou. Salma serviu medalhões ao molho branco e arroz levíssimo. A conversa da família fluiu sobre trivialidades — vizinhos, aulas, eventos, roupas, viagens, mas Taylor percebia algo curioso: John sempre observava sua reação.

Não de forma invasiva, mas avaliadora. Como se quisesse garantir que ela compreendesse a dinâmica da família, as entrelinhas, a importância que cada detalhe tinha para Rachel.

Taylor interpretou aquilo como exigência profissional. E enquanto a família conversava, ela registrava mentalmente nomes, rotinas, compromissos, gostos.

A teia em torno dos Mayer começava a se formar, fio por fio.

Após o almoço, Katheryn sugeriu que Rachel mostrasse seu quarto — o único cômodo que Taylor ainda não havia visto.

Subiram juntas, em silêncio.

Ao abrir a porta, a menina revelou um ambiente amplo, delicado para sua idade, inundado de referências de balé. Era um quarto bonito, mas… melancólico.

Voltou sua atenção para Taylor e sorriu, dizendo:

— Minha mãe me falou muito de você.

— E ela também me falou muito de você — respondeu Taylor com sinceridade educada.

A menina entregou uma agenda colorida.

— Aqui tem tudo o que eu faço. Minha mãe disse que é para você me ajudar.

Taylor folheou, impressionada com a rotina.

— Você é bem... ocupada.

— É… — Rachel suspirou. — E às vezes eu não gosto muito, mas meu pai fala que eu preciso fazer tudo isso para ser bem-sucedida como ele e a mamãe são.

Havia uma vulnerabilidade nela, tão clara que Taylor sentiu o peito apertar.

A conversa seguiu natural, orgânica. Rachel mostrou suas roupas, seus livros, seu canto de leitura. Comentou que Taylor poderia dormir ali quando ficasse tarde demais — algo dito com tanta espontaneidade como se pedisse já sua amizade.

Taylor respondeu com cuidado, prometendo organização, explicando suas responsabilidades, mas a menina continuou sorrindo para ela como se colher essa amizade fosse uma missão.

Sem parecer rude, Taylor tentou ignorar aquele sorriso gentil para não se apegar e fingiu estar lendo sua agenda. Ao folear, chegou na data de hoje e viu como era organizado e calculado cada horário da menina.

— Você tem compromisso daqui a pouco...

— Sim, sim. Na Emanuelly, ela é minha amiga da escola e vai dar uma festa.

— É o aniversário dela? — Taylor questionou.

— Na verdade, é aniversario do Bobby, o cachorrinho dela... — Rachel respondeu, rindo.

— Cachorros celebram aniversários... — Taylor comentou. — Bom, vamos te arrumar.

A menina sorriu, alegre. Foi até seu guarda-roupa e mostrou parte da sua sapateira. Pegou uma sapatilha creme, com os detalhes: orelhas de cachorros.

— Queria ir com esse aqui. — Rachel disse.

Taylor riu, assentiu. Olhou as roupas da garota, ajudou-a escolher uma peça e arrumou seus cabelos negros em uma trança.

— Que bonito... — Rachel disse, surpresa. — Nunca tinha feito tranças...

— Você é linda, Rachel. Independe do cabelo.

E então foram juntas para o primeiro compromisso de Rachel.

Ao voltarem da casa da amiga Emanuelly horas mais tarde, Taylor notou novamente o olhar atento do casal. Um olhar que ela interpretou como zelo.
Como pais que desejam acompanhar cada passo.

A primeira missão como babá havia sido concluída. E ela não apenas sobrevivera ao primeiro dia — como conquistara espaço.

De volta ao seu apartamento, o cheiro de comida quente e especiarias invadia a sala.
Selena cozinhava com um sorriso, celebrando o novo emprego da amiga.

Taylor largou a bolsa no sofá e sentou-se lentamente, ainda absorvendo o dia.
Havia tensão em seus ombros, mas também uma espécie de triunfo silencioso.

— Preciso te contar uma coisa — disse ela, séria. — Mas você tem que prometer que não vai surtar.

Selena desligou o fogo imediatamente.

— O que houve?

Taylor engoliu o ar, como quem mergulha antes de confessar.

A voz saiu firme, mas trincada:

— Lembra quando eu te contei sobre meus pesadelos… sobre o anel?

— Lembro.

— Não são pesadelos, Sel. — suspirou. — São memórias.

O silêncio encheu o ambiente.

Taylor continuou, finalmente deixando escapar tudo o que engolira por anos:

— Quando eu era criança, fui abusada pelo meu professor de balé. — as palavras saíram num fluxo doloroso, urgente. — E eu o encontrei. Agora. Depois de tanto tempo.

Selena levou a mão à boca.

— Meu Deus… Taylor… Você precisa ir à polícia!

— Não! — Taylor rebateu alto. — Não vão acreditar em mim. Ele é influente. É amado. Admirado. Ele destruiu minha família inteira e ninguém fez nada. Ninguém nunca fará.

Selena recuou, chocada.

Taylor, respirando com dificuldade, segurou as mãos da amiga.

— Eu preciso que alguém saiba. Caso… caso algo aconteça. E você é a única pessoa em quem eu confio.

E então disse o que vinha queimando dentro dela:

— Eu vou destruir a vida dele, Selena. Como ele destruiu a minha. Eu entrei na casa dele. E agora… eu estou perto.

Selena perdeu o ar.

— Taylor… pelo amor de Deus… isso é perigoso…

A jovem apenas a abraçou, com força.

— Está tudo sob controle — sussurrou. — Ele vai pagar. Finalmente.

E naquele apartamento pequeno, com jantar esquecido no fogão e duas taças vazias na mesa, o plano de Taylor finalmente tomava forma definitiva.

[CONTINUA]

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