10°
Capítulo – “Ao futuro”
O sol ainda não havia subido
completamente quando Thomas abriu os olhos.
Era cedo — cedo demais para
qualquer despedida saudável — e o quarto de Taylor estava banhado por uma luz
azulada, quase fria, típica do inverno. Ele ficou alguns minutos deitado,
observando o contorno dela adormecida ao seu lado, o rosto tranquilo, o cabelo
espalhado no travesseiro, a mão repousada sobre o peito dele como se ainda,
mesmo dormindo, quisesse garantir que ele não fosse embora antes da hora.
Mas a hora tinha chegado.
Ele deslizou a mão pelo braço dela,
devagar, despertando-a com cuidado.
Taylor abriu os olhos devagar.
Bastou vê-lo sentado na beirada da cama, vestindo a camisa, para o coração dela
despencar.
— Já? — ela sussurrou, a voz rouca
pelo sono e pela tristeza contida.
Thomas assentiu, com o olhar
pesado.
Ela se levantou sem reclamar, sem
tentar convencê-lo. Talvez porque já tivessem dito tudo na noite anterior.
Talvez porque, dentro dela, a confiança fosse maior do que o medo.
Eles desceram em silêncio, mãos
dadas, como se cada degrau fosse uma contagem regressiva.
A fazenda estava quieta do lado de
fora — silenciosa, coberta por um véu de geada fina. O carro dele já estava
carregado, o motor preparado. Andrea observava da varanda, com os braços
cruzados sob o xale, um olhar misto de orgulho e angústia maternal.
Thomas despediu-se com um abraço
firme.
— Obrigado por tudo… de verdade.
— Volte inteiro, Thomas. — ela
pediu. — E volte logo.
Ele sorriu, prometendo sem
palavras.
Taylor ficou na frente do carro. Os
olhos marejados, mas sem desabar.
Thomas tocou o rosto dela com ambas
as mãos.
— Eu vou ligar todos os dias.
Prometo.
— Se não ligar… — ela ergueu o
queixo, tentando brincar, mas a voz falhou.
Ela sorriu, mas a lágrima caiu
mesmo assim.
Quando ele entrou no carro, Taylor
deu um passo para trás, respirando fundo. Thomas colocou a mão para fora,
segurando a dela pela última vez — os dedos se soltando devagar, como se o
tempo estivesse sendo esticado além do possível.
E então ele partiu. E Taylor, junto
com a fazenda, encolheram-se no retrovisor do carro, mas o futuro dele parecia
ter uma forma.
A viagem até o aeroporto durou
pouco mais de três horas. Cada quilômetro parecia arrancar Thomas de volta à
vida antiga, mas também parecia empurrá-lo adiante para aquilo que precisava
resolver. A cada curva, a cada cidade que passava, o coração dele insistia na
mesma frase: “Volta para ela. Volta para ela. Volta para ela”.
Mas Thomas sabia que, para poder
voltar, precisava ir.
Depois de quase dez horas de voo,
desembarcou em Londres antes do amanhecer. O aeroporto estava silencioso, e o
ar úmido e frio da capital britânica caiu sobre ele como um choque brusco.
Pegou um táxi até sua casa em Holland Park e encontrou tudo exatamente como
havia deixado: organizado, calmo, impessoal.
Retirou a jaqueta ao entrar no
quarto — e percebeu, num golpe suave e devastador, que ela ainda carregava o
cheiro de Taylor. Um aroma doce, terroso. Um lembrete.
Deitou-se na cama e, pela primeira
vez em dias, dormiu sozinho.
Thomas ainda não tinha acordado
completamente quando ouviu a campainha tocar. Demorou alguns segundos para
entender onde estava – Londres, sua cama, sua vida antiga, e, com passos
lentos, foi até a porta.
Quando abriu, levou um pequeno
susto.
Emma estava ali – cabelo preso às
pressas, casaco enorme, expressão de quem acordou antes do sol. Em uma das
mãos, segurava uma sacola de papel com o café favorito dele e dois croissants.
Na outra, Marianne, ainda de pijama por baixo do casaco, segurava um cartão
feito à mão com glitter torto.
— Feliz Natal atrasado, seu
desaparecido. — Emma anunciou, passando por ele como se morasse ali. — Viemos verificar
se estava vivo. Achei que ia me ligar pedindo para vender todos os seus bens e
comprar feno.
Ele riu, abraçando-a com força.
Marianne apareceu logo atrás,
correndo, agarrando-se à cintura dele.
— Tio Tom! Você sumiu! — levantou um
cartão. — Tio Tom, fiz pra você! Tem renas, mas uma ficou parecendo uma vaca...
Desculpa.
Thomas não resistiu. Sorriu de
verdade — o tipo de sorriso que só família arranca.
— Está lindo, Mari! Melhor presente!
Emma já estava abrindo a janela da
sala, reclamando que ele precisava de ar fresco. Marianne pulou no sofá,
tirando as botas minúsculas e acomodando-se como se o lugar fosse dela desde
sempre.
— Trouxe o seu preferido. — Emma
ergueu o copo. — Duvido que o café americano prestava.
— Não era esse, mas estava bom... —
Thomas riu, sentado.
Emma o olhou de cima a baixo,
avaliando.
— Então? — cruzou os braços,
sorrindo com aquela curiosidade de irmã mais velha que conhece o cheiro de
novidade a quilômetros. — O que diabos aconteceu lá?
Thomas ajeitou-se no sofá, passou a
mão pelos cabelos e… sorriu.
Um sorriso grande, real, quase juvenil.
— Eu conheci alguém.
Marianne arregalou os olhos,
animada. Emma quase deixou cair a xícara.
— O quê?
— O nome dela é Taylor. — Thomas
disse com a voz calma, mas o brilho nos olhos era impossível de esconder. — Ela
é… — ele exalou, tentando encontrar palavras — …é a filha do Scott. E é
incrível. Inteligente. Forte. Teimosa. Sensível. Linda. E eu… eu me apaixonei
por ela.
Emma levou a mão ao peito.
— Meu Deus, Thomas… você tem cara
disso mesmo. — riu. — De apaixonado.
Marianne deu risadinhas, escondendo
o rosto no cobertor.
— Tio Tom está namorandooo.
Ele riu, balançando a cabeça.
Emma cruzou os braços, emocionada.
— E o processo? As complicações?
Você foi lá para resolver um problema gigante.
A expressão dele mudou — ficou mais
firme, determinada.
— Vou resolver. Voltei por isso.
Mas agora sei exatamente o que preciso fazer...
Emma se aproximou, colocou a mão no
ombro dele.
— E ela?
— Vou voltar. — Thomas respondeu
sem hesitar. — Eu prometi.
Marianne bateu palminhas.
— Vamos fazer biscoitos pra ela
quando ela vier visitar! — ela anunciou, como se estivesse marcada a data.
Thomas riu — e pela primeira vez em
anos, sentiu que tudo fazia sentido.
Thomas contou tudo para Emma
naquela manhã: os dias na fazenda, o caso, o clima do Natal improvisado... mas
principalmente contou sobre Taylor — sobre como ela era forte, doce, brilhante,
linda, e como, sem que ele percebesse, tinha se tornado a melhor parte daquela
viagem. Emma ouviu tudo com um sorriso irônico de irmã mais velha e disse, com
convicção, que mal podia esperar para conhecer a mulher que tinha deixado o
irmão visivelmente transformado.
E os dias seguintes correram
depressa. Thomas dividia seu tempo entre preparar documentos para sua defesa,
rever pareceres, revirar papéis e continuar trabalhando normalmente na sede da
Wells Fargo e, no meio de tudo isso, viver para um único ritual diário: as
ligações noturnas com Taylor.
Ligavam-se sempre à noite, quando
ambos já estavam exaustos demais para fingir qualquer coisa. Falavam sobre a
fazenda, sobre o clima, sobre saudade, sobre planos, sobre inseguranças.
Falavam sobre tudo, e ao final de cada ligação, sem falhar um dia sequer,
Thomas dizia, com a voz cansada, mas cheia de certeza:
— Eu te amo, Tay. E em breve
estaremos juntos.
E Taylor acreditava.
Nesses mesmos dias corridos,
encontrou-se com Cynthia. E ela cumpriu com a palavra de Thomas, com certo
nervosismo quase infantil, dizendo que não era certo as ameaças feitas por
Thomas naquela tarde, mas ela sabia que Thomas não blefava e trouxe consigo
documentos, mensagens e demais provas que Thomas precisava para saber até onde
Wells Fargo sabia sobre o leilão e de seus movimentos. E, mesmo com Cynthia
sendo curiosa sobre as motivações de Thomas, ele aprendeu sua lição e manteve
apenas formalidade necessária com ela.
Assim passaram-se os dias de
janeiro: Thomas repetindo sua rotina entre escritório e reuniões, e seu coração
atravessando o oceano todas as noites para voltar à fazenda Swift. Londres
seguia fria, correta, prática, mas era a voz de Taylor que lhe dava direção
correta para seguir.
E foi em uma dessas noites mais
doces, talvez a mais leve desde que voltara. Foi Marianne quem atendeu o telefonema.
A menina, pequena e muito mais ousada do que o tio, apoiou o queixo no
travesseiro e falou com Taylor como se já a conhecesse há muito tempo.
— Oi, Taylor! Eu sou a Marianne!
Você gosta de biscoitos de canela? Eu fiz hoje com o Tio Tom! E você podia vir
aqui em Londres um dia, sabia?
Thomas tentou pegar o celular de
volta, mas ela se esquivou com um risinho.
— Eu quero muito conhecer você… a
paixão do meu tio que faz as árvores de natal...
Do outro lado da linha, Taylor riu –
e sua risada fez Thomas sentir que o mundo estava no lugar certo, mesmo que ele
ainda estivesse em outro continente.
E a manhã de 22 de janeiro estava
cinzenta, fria e silenciosa. Londres parecia carregar o mesmo peso que Thomas
sentia no peito. Ao colocar o paletó, ele tocou com cuidado nos dois objetos
que guardava no bolso interno: sua foto com Taylor no dia do Festival das Árvores,
ela sorria com ele; e uma foto antiga com Scott, que Andrea entregou-lhe no dia
que partiu. As duas imagens eram âncoras.
Quando chegou na sede do banco,
sentiu o estômago se contrair. Ali estavam eles: seus colegas de banco,
alinhados, penteados, perfeitamente polidos... e sendo perfeitamente
hipócritas.
A mesa da instituição financeira
parecia um catálogo de rostos que haviam passado anos insinuando respeito
enquanto apunhalavam pelas costas. O gerente principal o cumprimentou com um
sorriso burocrático, quase satisfeito com o espetáculo que estava prestes a
ocorrer. Thomas, porém, não desviou. Seu olhar era direto, firme, frio de uma
maneira que eles já estavam acostumados a ver.
A reunião começou e a acusação contra
Thomas era clara: ele teria agido de má-fé ao conduzir o leilão que tirou a
fazenda Swift das mãos do banco.
O gerente principal do caso
levantou-se, ajustou os óculos e iniciou seu discurso calculado:
— Senhor Hiddleston, de acordo com
os documentos, suas decisões favoreceram um proprietário específico, mesmo
quando os números indicavam que o banco teria mais lucro se seguisse outra
direção. Há indícios de que o senhor manipulou a ordem das propostas e beneficiou
a si mesmo e a família do devedor com o leilão.
Thomas ouviu tudo em silêncio. Os
dedos apertavam a caneta, mas seu rosto não denunciava nada – frieza perfeita.
Quando a juíza autorizou sua
resposta, ele se levantou devagar, com uma calma que fez alguns dos homens do
banco engolirem em seco.
— Com todo respeito — começou
Thomas, a voz baixa, firme. — O banco está acostumado a interpretar integridade
como fraqueza. Inteligência com desonestidade. E ética como obstáculo. Mas não
é por isso que elas deixam de existir.
Houve um leve burburinho.
Thomas abriu uma pasta fina. Seus
documentos estavam imaculados.
— A ordem das propostas seguiu
exatamente o regulamento interno — disse. — Inclusive extraoficialmente
recomendado por vocês mesmos, embora nunca colocassem por escrito. Coisa que
fiz questão de registrar.
Ele ergueu um documento com recibos
de e-mails datados, que Cynthia havia enviado para provar que ele sempre atuou
dentro do permitido.
— Aqui está a cronologia completa.
Cada decisão foi tomada às claras. Cada passo foi comunicado. Se houve lucro
menor para o banco, foi porque vocês ignoraram três alertas de risco da
fazenda. Alertas que eu fiz… e que vocês engavetaram.
Um dos diretores se remexeu na
cadeira.
— Acusam-me de agir de má-fé... —
continuou Thomas, com um meio sorriso gélido — quando, na verdade, o que os
incomoda é que eu exerci minhas obrigações e fiz uso do meu direito.
— E o que você me diz sobre... — o
gerente limpou a garganta. — sobre os boatos de que a família ainda vive na
propriedade. Digo, vamos lá, Thomas, você comprou a fazenda...
— Quando estive em Wisconsin
enviado por vocês... — Thomas apontou para seus superiores. — Eu conheci essa
fazenda e ela é magnifica. Linda mesmo. Eu gostei... — riu, com certo deboche. —
e quando soube que estava à venda em um leilão. Eu comprei.
— Mas não mandou a família Swift
sair porquê... como nos disseram, você está com a filha de Scott Swift.
— E ela não tem nada a ver com este
processo. — Thomas interrompeu-o. — Como a lei diz, as dívidas são enterradas
junto com o falecido. Ela não herdou nada do pai, nem as dívidas...
Um dos diretores da Wells Fargo ergueu
os olhos para ele. Atento.
Thomas então aproximou uma folha a
mais. Calmamente.
— E, já que estamos falando de
intenção, gostaria de incluir no processo uma cópia da carta do próprio Scott
Swift, que me procurou espontaneamente para tirar dúvidas sobre procedimentos
legais que o banco nunca se dispôs a esclarecer. Ele buscava proteção para sua
família, buscou o mínimo que deveria ter sido ofertado para ele: informação. E
eu… — sua voz falhou só por um segundo, mas ninguém percebeu, — eu apenas fiz
meu trabalho. Já os funcionários daquela agência, não.
O gerente responsável pela agência
citada tentou interromper:
— Objeção. A carta não é
pertinente…
— Aqui não é um tribunal, sr.
Alcott. — Thomas debochou. — E é pertinente sim — rebateu. — Porque prova que
eu não busquei a família Swift. Eles é que buscaram orientação quando vocês se
mantiveram em silêncio. E eu agi com transparência desde a minha função até a
compra.
Ele olhou para cada colega um por
um, sem piscar.
— E mais, quantos de vocês não se beneficiaram
por dívidas alheias. Ganharam bônus, tomaram carros e, assim como eu, compraram
uma propriedade abaixo do preço. — riu, vitorioso. — Eu posso citar, no mínimo,
seis casos assim presentes nessa sala e nenhum deles foram investigados.
— Nenhum de nós se envolveu com a família.
— Mas isso já é da minha vida
pessoal e nem lhe diz o respeito. — Thomas rebateu. — E digo as boas novas
aqui... irei me casar com a sra. Swift, filha de Scott. E como nossa lei também
diz, como parte da minha filha, vocês não poderão ir atrás dela. Por nada.
Silêncio absoluto.
Depois, com a mesma elegância com
que entrou, Thomas voltou a sentar-se.
Pelo olhar do diretor, pelo
desconforto causados aos outros homens do banco e pelas provas organizadas com
precisão cirúrgica. Thomas sabia que tinha ganhado uma batalha, mesmo que aquilo
estivesse longe de terminar, ele estava indo pelo caminho certo.
Enquanto isso, naquela fazenda no
interior de Wisconsin, após o carro de Thomas desaparecer pela estrada de
cascalho, o silêncio parecia maior, mas não opressivo. Era apenas novo. Era a
ausência de alguém que tinha preenchido rápido demais os espaços da fazenda – e
de Taylor.
Nos dias que seguiram, Taylor
mergulhou de volta na rotina com uma determinação quase teimosa. Era como se
precisasse provar a si mesma que ainda conseguia tocar tudo sozinha, como
sempre fez. E, em certo ponto, era verdade.
As plantações de inverno precisavam
de cuidado, e ela decidiu ampliar uma pequena área que o pai sempre dizia que
um dia renderia bons frutos “se alguém tivesse paciência de investir”. Taylor
resolveu ter paciência. Passou horas com as mãos na terra gelada, medindo
fileiras, reorganizando cercas, sentindo o cheiro familiar de campo úmido
depois das chuvas curtas de janeiro.
A contabilidade do Natal também
ocupou suas tardes. Ela montou uma pilha organizada de planilhas, notas
fiscais, registros de vendas do festival. Tomou coragem de entrar no escritório
de seu pai para transformar em seu escritório, analisou notas e anotações
antigas, buscou tomar ciência de tudo que envolvesse a fazenda e o sobrenome da
família. E, para sua surpresa – e orgulho, o lucro tinha sido muito melhor do
que esperava. Pela primeira vez desde a morte de Scott, ela sentiu que a
fazenda não estava apenas sobrevivendo. Estava respirando. E, com ela, Taylor
também.
Havia dias em que estudava horas
sozinha, retomando matérias do curso que tinha pausado e que agora estava
decidida em concluir. Fazia anotações, assistia aulas gravadas no antigo DVD,
lia livros que já estavam com as bordas gastas de tanta espera. Às vezes,
quando a cabeça cansava, ela caminhava pelos arredores da fazenda e deixava o
vento arrancar dela o que pesava demais.
Andrea também estava melhorando aos
poucos. Tinha recuperado um pouco da energia, voltado a comer com mais
regularidade e até passava mais tempo conversando com Taylor na varanda,
observando o entardecer. Ainda havia dias difíceis, mas a melhora era visível.
E Taylor fazia questão de estar presente em cada gesto, cada ajuda, cada chá
levado no horário certo.
Mas, apesar de toda a rotina, do
trabalho, dos estudos e das responsabilidades. Havia uma parte do dia que era a
sua favorita: a ligação de Thomas – todas as noites, sem falhar.
Naquela noite, Taylor estava
especialmente inquieta.
A casa já estava silenciosa, Andrea
dormia no quarto ao lado, e a fazenda inteira parecia respirar num ritmo lento
e pesado de inverno. Taylor sentou-se no sofá com uma caneca de chá ainda
quente entre as mãos. O relógio marcava quase nove da noite, próximo do horário
em que Thomas sempre ligava.
Quando finalmente o telefone tocou,
Taylor sentiu um choque leve percorrer o corpo. Atendeu antes mesmo de respirar
fundo.
— Tom?
Do outro lado da linha, ele soltou
uma risada curta, cansada, mas carregada daquele alívio que ela conhecia tão
bem.
— Tay… eu precisava muito ouvir sua
voz.
Os ombros dela desceram numa
exaustão doce. Ele estava bem. Vivo. Seguro. Ainda dela.
— Como foi a reunião? — ela
perguntou, com cautela, mas ansiosa.
Houve um silêncio curto — e depois
Thomas riu outra vez, com aquele som que era quase um sorriso transformado em
voz.
— Foi uma vitória, Tay. — disse,
com orgulho contido. — Uma vitória real. Eles não esperavam metade do
que levei. E o diretor do banco… bom, acho que ele gostou de mim.
— Eu sabia. — ela sorriu, fechando
os olhos — Eu sabia que você conseguiria.
Ele suspirou, aliviado e ao mesmo
tempo exausto.
— Ainda não acabou. Ainda tem mais
pela frente…
— Eu sei.
— …mas não será tão difícil. Agora
não. — Thomas completou, com firmeza. — Eu posso vencer isso, Tay. De verdade.
Posso encerrar essa história.
— Tom…
— Eu vou voltar, Tay. — ele
repetiu, com aquela convicção que tinha se tornado o alicerce dela. — E quando
você menos esperar… eu vou estar aí. Na sua porta. Eu prometo.
O silêncio que seguiu não era
ausência. Era presença. Era futuro.
— Eu amo você. — ele disse.
— Eu também. — ela respondeu, voz
baixa, quente, honesta.
Ficaram ali, conversando até a
madrugada cair inteira, até o sono finalmente arrancar deles a promessa
repetida todas as noites: logo, logo estaremos juntos.
Mas janeiro se passou, fevereiro também
– e Thomas não voltou. Não porque não quisesse, mas porque havia mais trabalho
do que ele imaginava, mais reuniões, mais documentos, mais brechas legais para
fechar, mais detalhes do processo para derrubar de uma vez por todas. E Taylor
sabia disso, mas isso não impedia a saudade de crescer.
Os dias dela eram sempre ocupados
demais: plantação, vendas, organização da fazenda, estudos, cuidados com
Andrea. E ainda assim o vazio ao lado dela no café da manhã insistia em se
fazer presente. A cama que antes parecia grande demais agora parecia só...
errada.
Ela falava com Thomas todas as
noites — e todas as noites ele soava um pouco mais cansado, mais sobrecarregado
e mais ansioso para voltar. E nunca quebrava a promessa.
Às vezes ele dizia que tinha
sonhado com ela; Às vezes ela confessava que dormia vestindo a blusa xadrez
dele para sentir o cheiro e, em outras vezes ficavam horas em silêncio, só
ouvindo a respiração um do outro. Era saudade, sim. Mas era também certeza.
E assim, o inverno acabara, mas foi próximo ao
equinócio de primavera que os ventos mudaram. Certo dia, quando trabalhava, o
diretor geral do banco, Phinneas Montenegro, chamou-o para conversar em sua
sala – ampla, silenciosa, com janelas enormes que deixavam a luz fria de
Londres entrar como se julgasse cada passo dado ali dentro. Thomas respirou
fundo antes de entrar, ele já não estava nervoso como no início do processo,
mas havia algo solene naquele momento.
— Entre, Thomas — disse o diretor,
levantando-se da mesa. O tom não era rígido como de costume; havia uma
suavidade quase paternal.
Thomas se aproximou, estendeu a
mão. O diretor segurou firme, observando-o por um segundo longo, daqueles que
parecem fazer uma leitura da alma.
— Você apresentou provas sólidas.
Coerentes. — o diretor começou, caminhando até a janela. — E mais do que isso…
demonstrou algo raro: integridade. Mesmo quando seria mais fácil recuar sem
perder nada.
Thomas permaneceu imóvel, atento.
— Não encontrei malícia nesse
processo, nem intenção de ganho próprio. Na verdade... — o diretor virou-se — encontrei
coragem, mais do que qualquer coisa. Eu diria, se me permite, que deve ter uma
mulher que vale a pena porque se arriscar assim...
Thomas soltou um ar que não sabia
que estava prendendo.
— Então… o que acontece agora?
O diretor abriu um sorriso pequeno,
satisfeito.
— Analisei todo o processo depois
daquela reunião e acredito que não tem processo a ser sustentado. Eu encerrei a
investigação hoje. Você está limpo.
Por um segundo inteiro, ele não
conseguiu responder. Só absorveu.
— Obrigado, senhor — disse enfim,
com a voz firme, mas os olhos marejando.
— Não me agradeça. Você provou tudo
sozinho. — O diretor deu dois passos à frente. — Mas há uma condição.
Thomas ergueu o olhar.
— Você ficará na base de Londres
por um bom tempo. — disse, sem rodeios. — É onde você faz falta. Onde você é
importante. Quero você aqui para fazer carreira.
Aquilo não o chocou. Ele já
esperava.
— Mas, senhor, eu também tenho uma
fazenda para cuidar.
— E cuidará, creio eu. Você terá
tempo para ela. — piscou.
Ele sorriu, pois agora conseguia planejar
o futuro com liberdade – e ele sabia exatamente com quem deseja planejar.
Então, a primavera chegou no hemisfério
norte com uma potencia que cheirava liberdade. Era a primavera mais bonita que
Thomas já tinha visto, e tudo isso porque ele e Taylor tinham feitos planos.
Planos para a fazenda.
Planos para ela voltar para a
faculdade em Chicago.
Planos de contratar funcionários
para ajudar Andrea.
Planos de aumentar as plantações,
revitalizar parte do pasto, criar fontes de renda.
Planos sobre casa, sobre rotina,
sobre viagens, sobre eles.
Falavam sobre tudo porque iriam
construir um futuro juntos.
Thomas ligava todas as noites, sem
falhar. Até que… deixou de ligar.
Passaram dois, três, quatro dias...
ele não ligava, não atendia ou retornava suas ligações.
O coração de Taylor apertou de um
jeito que ela não sentia desde que o pai morreu. A primavera seguia do lado de
fora — mas dentro dela tudo ficou cinza.
Tentou racionalizar: Reuniões? Viagens
rápidas? Trabalho acumulado?
Mas o silêncio dele era
inexplicável. E doía, como se alguém estivesse arrancando um ponto de apoio que
ela não podia perder.
E os dias haviam ficado longos
demais na fazenda desde o silêncio inexplicável de Thomas. E Taylor tentava
preencher as horas com trabalho: plantou novos filetes de pinheiros,
reorganizou os arquivos contábeis, limpou o celeiro, replantou flores. Mas
nenhuma dessas tarefas — nem mesmo o cheiro da terra molhada depois da chuva, abafava
o nó permanente em sua garganta. Sentia-se abandonada e uma parte dela até
ousava pensar: “ele encontrou alguém em Londres… foi fácil demais me
deixar pra trás”.
Era isso que feria mais fundo: o
sentimento de ter sido deixada sem explicações.
E assim ela seguiu abril, os olhos
sempre voltando para o telefone silencioso, as noites sempre caindo pesadas
demais no coração.
Em uma tarde, o céu estava lilás
quando Taylor desceu para a borda do bosque, onde os pinheiros jovens começavam
a brotar fortes. Ela carregava uma cesta com ferramentas, tentando não pensar.
Só… fazendo.
Até que, perto da cerca antiga que
separava a plantação do quintal da casa, viu movimento.
Uma menininha de cerca de seis
anos, pele rosada pelo frio, cabelos negros ondulados caindo pelos ombros,
colhia flores silvestres como se estivesse num sonho próprio. Desenhava
círculos no ar com as mãos pequenas e sorria para si mesma.
Taylor franziu o cenho e caminhou
até ela.
— Ei, querida… tudo bem? Você está
sozinha? — perguntou, suave.
A menina levantou os olhos claros,
brilhantes como se guardassem um segredo.
— Não. — ela sorriu, mostrando uma
covinha. — Eu vim com ele.
— Ele…? — Taylor começou, confusa.
A menina virou-se e esticou o
braço, apontando para o alpendre da casa.
Taylor levou o olhar na direção
indicada.
E ali, como se tivesse sido
esculpido pela própria primavera, estava Thomas – com casaco azul-marinho,
camisa clara, barba levemente aparada, o cabelo um pouco mais longo do que
quando partiu. Tão bonito que o ar pareceu ficar mais leve só pela presença
dele.
Sorria. Um sorriso cheio de
saudade, de desculpa, de amor.
Taylor deixou cair a cesta.
Não pensou. Não hesitou.
Correu.
Correu com tudo que carregou por
semanas — medo, dor, amor, raiva, esperança. Tudo explodindo em impulso.
Thomas abriu os braços no instante
exato em que ela o atingiu, como se seus corpos soubessem se encaixar antes
mesmo do toque acontecer. Ele a ergueu do chão, rodando-a, os dois rindo,
soluçando, respirando de volta a vida que faltava.
E antes que qualquer palavra
pudesse ser dita… eles se beijaram.
Um beijo quente, urgente, faminto,
que apagou cada noite silenciosa, cada incerteza.
Era perdão e retorno.
Quando enfim se afastaram,
ofegantes, os olhos dele estavam marejados.
Ele respirou fundo, ajoelhou-se ali
mesmo, no chão de terra, diante da mulher que tinha atravessado um oceano para
reencontrar, e tirou do bolso uma pequena caixa.
— Tay… — disse baixinho. — Vamos
fazer isso. Vamos fazer tudo. A vida, a fazenda, Londres, Chicago… o que vier.
Só não quero ficar longe de você de novo.
Ela levou as mãos ao rosto, a
emoção transbordando.
— Thomas…
— Casa comigo. — disse, simples,
firme, como quem diz uma verdade eterna.
E foi assim — com um nó na voz, mas
o coração inteiro — que Taylor respondeu:
— Sim. Claro que sim.
E ali, eles selaram o amor deles
como se nada mais no entorno realmente importasse.
Eles passaram os dias seguintes na
fazenda como se o mundo tivesse se reorganizado ao redor deles.
Emma e a pequena Marianne ficaram
hospedadas ali, apaixonadas por tudo: pelo campo, pelo silêncio, pelos cavalos,
pela cozinha de Andrea.
Marianne seguia Taylor com muito
amor e Emma observava Thomas com um orgulho silencioso que só irmãs sabem ter.
Na última sexta-feira de maio,
foram ao cartório do centro da cidade. Casaram-se dentro da intimidade deles,
como queriam.
Thomas com as mãos trêmulas e Taylor
com o olhar mais brilhante do que qualquer neve de inverno, com Marianne
segurando flores colhidas do próprio jardim. Emma e Andrea eram as testemunhas
daquele casamento e daquele amor.
E assim, numa sala simples, com
cheiro de papel timbrado e café fresco.
Taylor Alison Swift e Thomas
Hiddleston foram declarados marido e esposa.
E os meses seguiram, Thomas ia e
vinha de Londres, às vezes por poucos dias, às vezes por semanas. E a cada
chegada, reparava que a fazenda começava a ganhar vida como nunca. Era o
futuro, aos poucos, tomava forma.
Taylor estudava à distância,
planejava seu retorno à faculdade, organizava contas, fazia reuniões com Thomas
por telefone no meio da tarde só para ouvir sua voz com sotaque britânico
dizendo:
— Já estou com saudades.
Mas foi no começo do inverno, quando
o ar ficou cortante e as árvores ficaram cobertas de branco, que aconteceu algo
que Taylor jamais esqueceria.
Thomas voltou com Marianne numa
manhã fria, dizendo que Emma viria em alguns dias. Com ele, as malas e sua
pasta de couro sob o braço.
Ela correu para ele, como sempre.
Ele a abraçou com aquela força que
misturava saudade e pertencimento.
— Trouxe seu presente de Natal —
ele disse, com um brilho misterioso.
— Então, irei abrir daqui alguns dias...
— Não, não, abra agora... é
importante...
Ele entregou a pasta e Taylor abriu,
lentamente, como se quisesse fazer certo suspense porque Thomas não conseguia
disfarçar sua ansiedade – ele queria ver a reação dela. E ali estava: O
documento oficial transferindo a propriedade da Fazenda Swift para o nome dela.
A Fazenda de Pinheiros Swift, finalmente pertencia à Taylor Alison Swift.
As mãos dela tremeram. O ar fugiu
dos pulmões.
Thomas tocou seu rosto com infinita
delicadeza.
— É sua, Tay. Sempre foi para ser
sua. Seu pai queria isso. Eu queria isso E agora… é você quem decide o futuro
dessa terra. Não o banco. Não o destino. Você.
Ela chorou. Chorou por amor, por
memória, por recomeço.
— Obrigada… — sussurrou. — É o
melhor presente que alguém poderia me dar.
Ele a abraçou, escondendo o rosto
no pescoço dela.
— Eu te amo, meu amor.
Taylor sorriu, com o coração
completo.
E, por ora, bastava saber: A
fazenda estava salva. Ela amava e estava sendo amada.
E o amor deles — finalmente — tinha
encontrado casa.
E no dia de natal daquele ano, a
fazenda estava coberta por uma fina camada de neve quando Taylor abriu a porta
da varanda naquela manhã. O ar tinha aquele cheiro único do início do inverno —
frio, limpo, e carregado de um silêncio cheio de expectativa.
Thomas apareceu atrás dela,
envolvendo-a com os braços, o queixo repousando sobre seu ombro.
Lá embaixo, Marianne corria atrás
de Andrea com um avental cheio de farinha, enquanto Emma preparava uma mesa
improvisada para o chocolate quente. A cena parecia saída de um cartão de Natal
— mas era real, completamente real.
Taylor sorriu, encostando a cabeça
no peito de Thomas.
— Quem diria… — ela murmurou. — Que
tudo começou quando você apareceu aqui...
Thomas apertou-a um pouco mais.
— Tudo começou porque o Natal faz
isso com a gente — respondeu ele, suave. — Abre portas que estavam trancadas,
ilumina caminhos que pareciam perdidos… e aproxima quem deveria estar junto.
Taylor fechou os olhos por um
instante, respirando fundo.
No último ano, tinha perdido,
lutado, reconstruído — e, no meio de tudo, tinha encontrado o impossível:
alguém que a enxergou inteira, com suas forças e fragilidades.
O amor deles não tinha sido
imediato. Tinha sido cuidadoso. Honesto. Nasceu em um tempo do ano em que o
mundo fica mais gentil, mais predisposto a acreditar no impossível.
Taylor sorriu.
O sol se ergueu um pouco mais fraco,
mas precioso, iluminando a fazenda que agora era sua de volta, iluminando
também o caminho que eles escolheram trilhar juntos.
E naquele instante, enquanto as
campainhas de vento ecoavam suavemente e o cheiro de pinheiro que subia do
bosque, ela soube com absoluta certeza:
O amor que encontraram era, para
sempre, um presente de Natal.
Um daqueles presentes raros,
silenciosos, mas que mudam toda a vida.
E enquanto nevava devagar sobre a
fazenda, o mundo parecia, finalmente, certo.
[FIM]

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