09°
Capítulo – “Feliz Natal!”
Parte 02
O banheiro do festival tinha aquele
típico cheiro de inverno úmido misturado a desinfetante barato. O piso de
ladrilhos estava parcialmente molhado pelas botas de quem havia passado por
ali. Thomas empurrou a porta, preparado para lavar as mãos, recuperar o fôlego...
talvez até esfriar a cabeça antes que voltasse para Taylor com pensamentos que
não o deixariam em paz.
Mas assim que entrou, soube que não
estava sozinho, já que ouvira risos abafados ecoaram do fundo e um vozerio
masculino, com o tom alto demais para algo inofensivo.
E então ouviu o nome dela.
— …Taylor. — alguém disse, com
aquele tom que já nascia errado.
Thomas parou.
Joe estava encostado na pia do
fundo, cercado por dois amigos, Mark e Dylan, todos segurando copos de sidra
quente como se fosse cerveja. A postura deles mudou assim que viram Thomas, mas
abriu um sorriso torto.
— Vejam só... se não é o todo
poderoso. — Joe ergueu o queixo. — Veio marcar território?
Thomas não reagiu ao deboche. – apenas
caminhou até a pia, abriu a torneira e lavou as mãos com calma.
Joe continuou, já animado pela
falta de resposta imediata:
— A Taylor está... diferente hoje —
ele disse, como quem prova um vinho. — Mais... amaciada. Deve ser você, né?
Thomas levantou os olhos devagar
pelo espelho.
— Relaxa, estou só comentando... —
Joe insistiu, aproximando-se. — mas é bom que você saiba que ela tem esse
padrão, ela é quase que... nunca cansa... — riu. — e é uma coisa que eu sinto
falta nela, a sede por... você sabe...
Thomas fechou a torneira.
— Cuidado.
Joe riu — curto, venenoso.
— Ah, por favor. Todo mundo na
cidade sabe que ela pula de porto em porto quando quer se sentir especial… e
você só é o próximo porto, Thomas. Até que ela volte para mim, ela sempre
volta.
Ele deu de ombros, provocação pura.
Thomas se virou completamente. Calmo
demais.
— Você está falando de uma mulher
que claramente ainda não superou... — ele rebateu.
Joe se aproximou, peito a peito.
— Você não sabe nada sobre ela.
— Sei o suficiente para entender
que você está com raiva porque ela seguiu em frente quando você a deixou
sozinha... — Thomas respondeu. — e, sinceramente… ela fez muito bem. E está bem
melhor.
Joe estreitou os olhos.
— Você acha que ela te ama? — Joe
perguntou, com um sorriso de desprezo. — Ela está só carente. Carente e
confusa. E você está se aproveitando.
Thomas riu — um som baixo, sem
humor.
— Você é realmente burro.
Joe ficou tenso.
— O que disse?
Thomas deu um passo ainda mais
perto, invadindo completamente o espaço dele.
— Eu disse que você é burro. Porque
está mexendo com alguém que te supera em tudo. Em caráter, coragem, lealdade e
poder. — sua voz caiu para um grave perigoso. — E está cutucando um homem que
tem recursos suficientes para destruir a sua vida em uma tarde de tédio.
Os amigos de Joe se endireitaram. Joe
piscou, não esperando aquilo.
— Está me ameaçando? — perguntou,
mas a voz saiu menos firme do que queria.
— Não — Thomas disse, sem desviar o
olhar. — Estou te informando.
Joe tentou recuperar terreno.
— Que recursos? Você está brincando
de fazendeiro porque comprou ela e a família dela.
Thomas deu um meio sorriso — frio,
calculado.
— Engraçado. Porque com meia dúzia
de ligações eu posso levantar cada pagamento atrasado seu, cada dívida
escondida, cada merda que você fez com dinheiro desde que entrou para a faculdade.
— inclinou a cabeça. — E posso garantir que nenhum banco local voltaria a
apertar a sua mão.
Joe empalideceu.
Thomas continuou, agora com a
postura de alguém que já venceu a discussão antes mesmo de começar:
— Você realmente quer medir força
comigo, Joe? Acha que me alcança?
Ele aproximou ainda mais o rosto.
— Eu posso acabar com você, seu
crédito, sua carreira antes mesmo de você pensar em voltar para a faculdade e
nem preciso sujar minhas mãos.
Silêncio absoluto. Thomas finalizou:
— Se você tocar na Taylor, insinuar
qualquer coisa sobre ela ou tentar envergonhá-la de novo… — Uma pausa. — Eu
descubro tudo sobre você. E não deixo pedra sobre pedra.
Joe respirou fundo. Os amigos não
disseram nada; apenas olharam o chão.
Thomas deu um passo atrás, mas sem
desviar o olhar.
— Agora seja inteligente pela
primeira vez na sua vida. Saia do meu caminho. E da vida dela.
Joe engoliu seco, os olhos
endurecendo — mas incapaz de responder.
Thomas passou por ele como se fosse
invisível e saiu do banheiro como quem atravessa uma porta de incêndio. O ar
frio do festival bateu no rosto dele, contraste direto com o calor sufocante da
discussão que ainda queimava na pele.
Ele respirou fundo, uma vez, duas —
mas a pulsação continuava firme no pescoço, denunciando que aquilo não passara
em branco.
A música do festival ecoava ao
redor: sinos, risos, cheiro de canela e chocolate quente. Mas o mundo parecia
menor, mais focado, quase claustrofóbico — porque tudo dentro dele queria
voltar para onde Taylor estava.
Encontrou-a ao lado de uma banca de
velas artesanais. Ela segurava uma vela de pinho entre as mãos, rindo de algo
que uma senhora explicava. A luz das lâmpadas sobre a neve refletia no cabelo
dela, e por um instante Thomas sentiu o corpo relaxar — como se finalmente
pudesse voltar a respirar.
Taylor virou-se e o viu.
O sorriso dela nasceu automático, mas
morreu no meio do caminho.
— Tom? — ela perguntou, franzindo o
cenho. — Você demorou. Tá tudo bem?
Thomas se aproximou e tocou a
cintura dela com uma mão firme, instintiva.
— Está tudo bem — ele disse, baixo
demais. — Nada com que você precise se preocupar.
Taylor inclinou o rosto, estudando
cada detalhe.
— Tom… você está tenso.
Ele respirou fundo, deslizando o
polegar pelo tecido do vestido dela — um gesto mais sensual do que pretendia.
— Só encontrei alguém que não vale
o seu tempo — disse, com simplicidade perigosa.
Os olhos dela se estreitaram.
— Joe? — ela perguntou, já sabendo.
Thomas não disse nada por um
segundo. Depois assentiu.
Taylor engoliu seco, recuando meio
passo — não com medo dele, mas com o peso de reconhecer o que aquilo
significava.
— Ele te disse alguma coisa? — ela
perguntou.
Thomas voltou a tocar sua cintura,
puxando-a levemente mais perto, num gesto que misturava calma e domínio.
— Ele tentou — respondeu. — Mas não
conseguiu.
— Thomas… O que ele disse?
Thomas passou a mão pela nuca dela,
devagar, como se o toque o ajudasse a voltar à superfície.
— Nada que importe — respondeu. —
Nada que vá nos alcançar.
Thomas respirou fundo e beijou a
testa dela, devagar.
— Vamos aproveitar o festival —
disse. — Eu prometo… o pior já passou.
Taylor entrelaçou os dedos nos
dele.
— Então fica comigo — sussurrou. —
Só isso.
E naquele instante, como se o mundo
finalmente cedesse um pouco, Thomas relaxou a mandíbula e deixou os ombros
baixarem e o clima entre eles mudou enquanto caminhavam de volta para a rua
principal.
Pareciam um casal recém-descoberto,
daqueles que brilham mesmo quando tentam parecer discretos.
As luzes do festival estendiam-se
entre os pinheiros enfeitados: brancas, vermelhas, douradas. O aroma de canela
e chocolate quente preenchia o ar. Crianças corriam com xícaras fumegantes,
casais riam sob o frio cortante, e músicos tocavam versões natalinas de
clássicos antigos.
E, no meio de tudo, Thomas e Taylor
estavam juntos.
Alguns cochichavam discretamente —
amigos de Andrea, conhecidos da família, jovens que cresceram com Taylor. Mas o
que realmente chocava era a naturalidade com que eles se tocavam: o braço dele
sempre na cintura dela, ou a mão dela no antebraço dele, como se pertencessem
um ao outro.
— Isso é estranho para você? — ela
perguntou, sorrindo enquanto caminhavam entre as árvores decoradas.
— Não — ele respondeu, rápido
demais. — É… novo. Mas bom.
Taylor sorriu.
— Você parece… orgulhoso. Não sei
explicar.
Thomas parou, virou-se para ela e
passou o polegar pela linha da mandíbula dela, num toque tão íntimo que deixou
uma senhora próxima arregalar os olhos.
— Porque estou... — ele disse. —
Extremamente.
Os olhos dela brilharam.
Thomas estava prestes a dizer algo
mais quando uma brisa mais fria passou entre eles, levantando alguns flocos de
neve do chão. Taylor riu baixinho – aquele riso suave que ele já reconhecia
como alívio, e puxou-o pela mão.
— Vem. — ela disse. — Preciso de
chocolate quente!
Algumas pessoas que passavam por
perto trocaram olhares discretos, e Thomas percebeu. Notou como alguns sorrisos
eram genuínos... e como outros vinham acompanhados de uma curiosidade mal
disfarçada. A cidade inteira parecia ter decidido observá-los.
Taylor também percebeu.
— Eles vão falar disso até julho. —
ela brincou.
— Deixe que falem. — Thomas
respondeu, sem hesitar. — Eu não me escondo.
Ela se encolheu contra o peito
dele, satisfeita. Caminharam até a banca de chocolate quente, e o vapor doce
com cheiro de marshmallow recém-derretido envolveu os dois. A moça da banca
sorriu ao vê-los.
— Dois chocolates? — perguntou,
olhando a forma como Thomas mantinha a mão na cintura de Taylor, como se fosse
instintivo.
— Dois. — Taylor disse.
— Com extra de canela? — a moça
provocou.
Thomas olhou para Taylor, esperando
uma resposta, e ela riu.
— Pode colocar. — respondeu.
Segundos depois, eles estavam
caminhando com os copos fumegantes entre as mãos. Taylor assoprou o próprio
chocolate, fazendo o vapor subir delicado contra o rosto. Ele observou cada
detalhe – os cílios úmidos, as bochechas rosadas, o nariz frio, aquele brilho
infantil no olhar dela.
— Você está me olhando desse jeito
por quê? — ela perguntou, desconfiada.
— Porque está linda. E porque estou
aliviado de estar aqui com você. — Thomas disse.
Ela mordeu o lábio inferior,
desviando o olhar.
— Você realmente me deixa sem graça
às vezes.
— E você me deixa… — ele procurou a
palavra certa, encontrando mais do que queria admitir. — vulnerável.
Taylor parou de caminhar.
O festival continuava ao redor
deles: crianças rindo, alguém desafinando um violino, gente tentando tirar
fotos com neve falsa que flutuava vinda de um ventilador escondido. Mas entre
eles, o mundo pareceu ficar silencioso.
— Tom… — ela começou, mas ele tocou
o queixo dela com três dedos, pedindo silêncio.
— Vamos dar uma volta rápida. — ele
disse. — Tem algo que quero te mostrar.
Thomas a conduziu por um caminho
lateral, um pouco afastado das barracas e da música, até um pequeno túnel
formado por galhos de pinheiros decorados com luzes quentes. Era um espaço
quase vazio, silencioso, discreto. O único som era o estalar da neve sob as
botas.
— Tom… o que você…? — ela começou.
E então ele viu.
Acima deles, pendurado no arco de
pinheiros improvisado, havia um pequeno ramo de visco. A luz dourada refletia
nos frutos brancos como pequenos cristais – era um detalhe quase insignificante,
mas não para Thomas.
Ele parou embaixo dele. Depois,
puxou Taylor pela mão com delicadeza, trazendo-a para ficar exatamente diante
dele.
Taylor olhou para cima, surpresa.
Depois para ele.
— Isso é... — ela sorriu. — Você
sabia que estava aqui?
— Não. — ele admitiu. — Mas acho
que estava esperando por algo assim.
Ela riu, mexendo nos cabelos sem
jeito.
— Esperando o quê, Thomas?
Ele segurou as mãos dela. As duas. Firme.
Clareza absoluta nos olhos.
— Taylor… — sua voz baixou, como se
estivesse prestes a confessar um segredo profundo. — Eu sei que o que estamos
vivendo é intenso. Talvez rápido demais e inesperado até para nós.
Ela engoliu em seco.
— Mas a verdade é… — ele continuou.
— eu quero ficar ao seu lado. E quero protegê-la. E quero garantir que nada
daquilo que está vindo chegue até você.
Taylor franziu o cenho, preocupada.
— Tom… o que você está dizendo?
Thomas respirou fundo, como quem
atravessa uma linha invisível.
— Estou dizendo que... — ele soltou
as palavras devagar. — eu quero me casar com você.
Ela congelou. Por um segundo
inteiro, ela pareceu esquecer de respirar.
— O quê?
— Calma. — Thomas ergueu uma das
mãos para tocar o rosto dela. — Eu sei que não é o momento de um casamento
romântico, planejado, perfeito. Não ainda.
Taylor piscou, o coração disparado.
Ele aproximou a testa da dela.
— Isso nos dá tempo e irá te proteger.
E isso... impede que algumas pessoas façam o que estão tentando fazer. — sua
voz era grave, sincera, um pouco ferida. — E porque eu... estou apaixonado por
cada parte de quem você é e como a forma que me olha como se eu não fosse um
acidente na sua vida.
Ela prendeu a respiração.
— Tom…
— Não estou pedindo que você me ame
hoje. — ele sussurrou. — Só estou pedindo que confie em mim.
As luzes douradas refletiam nos
olhos dela e a neve caía mais devagar.
O silêncio engoliu o mundo.
— Eu não sei o que dizer… — Taylor
admitiu, com a voz trêmula.
— Diga sim. — Thomas pediu, com uma
ternura quase dolorosa. — Diga que aceita caminhar comigo. Pelo tempo que
precisarmos e faremos isso dar certo.
Ela respirou fundo…
E sorriu — pequeno, nervoso,
sincero.
— Tom… eu… — ela tocou o rosto
dele. — Eu aceito.
A expressão dele mudou.
Primeiro, surpresa. Depois alívio.
E veio uma felicidade que ele não sabia mais expressar.
Thomas inclinou-se e a beijou — não
com pressa, mas com aquela profundidade calma que só aparece quando o mundo
inteiro parece fazer sentido.
Um beijo sob o visco de promessa,
selava algo maior do que uma mera estratégia
Quando se separaram, ela ainda
estava sem fôlego.
Ele passou o polegar pelo lábio
inferior dela e então disse, com cuidado:
— Mas eu preciso te dizer uma
coisa.
O coração dela apertou.
— O quê?
— Amanhã... — ele inspirou
fundo. — eu tenho que voltar para Londres.
O silêncio entre eles pareceu
imediato e pesado.
Mas, antes que ela pudesse reagir,
ele segurou o rosto dela nas mãos.
— Eu volto. — ele prometeu.
Taylor fechou os olhos, respirando
contra as palmas dele.
E ali, sob o visco, eles ficaram
abraçados enquanto o festival continuava longe — como se o mundo não tivesse
importância nenhuma além daquele instante.
O céu já estava tingido de azul
profundo, com a lua fina recortando as nuvens como uma lâmina prateada. As
luzes das barracas cintilavam cada vez mais abafadas enquanto eles se afastavam
pelo caminho de terra.
O frio aumentava, mas nenhum dos
dois largou a mão do outro.
Taylor caminhava com a cabeça
apoiada no braço dele, e Thomas parecia finalmente respirar com mais calma —
como se o pedido sob o visco tivesse tirado algo pesado de seus ombros… ainda
que trouxesse outro peso, mais emocional, completamente novo.
O silêncio entre eles era
confortável.
— Está pensando em quê? — Taylor
perguntou, quando o carro apareceu à frente, coberta por uma leve camada de
neve.
— Em como você disse sim. — ele
respondeu, simples.
Ela riu, esbarrando o ombro nele.
Entraram no carro. O motor ronronou
com dificuldade no frio, mas funcionou. A estrada até a fazenda estava coberta
por uma neve fina e macia, que subia em poeira branca quando os pneus passavam.
Taylor observou o vidro embaçar, desenhou uma estrela com o dedo e depois
encostou a mão na perna dele, simples e natural.
Thomas segurou a mão dela, nenhuma palavra
precisou ser dita.
Quando dobraram a estrada de
cascalho da fazenda, viram a casa à distância – e, pela primeira vez desde o
início daquele inverno, completamente iluminada.
— Mamãe... — Taylor sorriu,
emocionada. — deixou tudo pronto.
Assim que estacionaram, a porta se
abriu e Andrea apareceu com um avental de Papai Noel.
— Vocês demoraram! — ela exclamou,
embora estivesse sorrindo. — A comida está quase esfriando. Entrem, entrem!
Taylor correu para abraçá-la.
Andrea retribuiu com força, e Thomas observou com um carinho suave — aquele
tipo de cena que ele nunca teve em casa, mas que agora entendia por que fazia
falta.
Entraram.
O cheiro de peru assado, farofa e
maçã caramelizada preenchia a cozinha. A sala estava enfeitada de maneira
simples, mas bonita: lareira acesa, meias penduradas, o pinheiro decorado no
canto iluminado com luzes piscantes lentas. A mesa estava posta com guardanapos
vermelhos, pratos brancos e um vaso improvisado com ramos de pinheiro e fitas
douradas.
Os três sentaram-se. Conversaram. Riram.
Era tudo tão simples e tão raro que
chegava a doer de bonito.
Depois da ceia, Andrea foi até a
sala e pegou três pacotinhos embrulhados com papel kraft e laços vermelhos
feitos à mão.
— É Natal, então... presentes! —
ela cantou.
Eles se sentaram perto da lareira,
o calor lambeu as pernas deles, e a luz dourada tornava tudo mais íntimo.
Andrea começou e para Taylor era um cachecol de lã
vermelho que ela mesma tinha tricotado; já para Thomas: um par de luvas grossas
feitas à mão.
— Você vive deixando as suas para
trás. — Andrea resmungou.
Thomas sorriu – aquele sorriso
raro, lento, sincero.
Depois, Taylor entregou seus
presentes simples: Para sua mãe era um livro de receitas antigas que encontrou
no sebo do centro da cidade. E para Thomas, um frasco de colônia amadeirada com
notas de cedro.
— Achei que combinava com você. —
ela disse, tímida.
Thomas levou o frasco ao nariz e
fechou os olhos por um segundo.
— Combina. — sorriu e apertou a mão
dela, com carinho.
E então, chegou a vez dele.
Thomas pegou um pequeno pacote e
estendeu para Taylor. O embrulho era desajeitado.
— Desculpa a apresentação… — ele
murmurou. — Não tive muito tempo de fazer bonito.
Ela sorriu, achando graça.
— O que é isso?
— É algo que eu acredito que pertence
mais a você do que a mim. — ele disse, olhando diretamente para ela. — E eu
queria te dar algo especial.
Taylor abriu o papel devagar.
Dentro havia um envelope antigo,
amarelado, com a caligrafia do pai dela na frente.
O mundo dela parou.
— Não... — ela sussurrou. — Não
pode ser...
— Ele me enviou isso... — Thomas
explicou, com uma voz baixa, quase reverente. — pouco antes de falecer, pela
data é uma semana antes...
Taylor levou a mão à boca.
Suas mãos tremiam enquanto ela
abria o envelope e Andrea observava-a em silêncio absoluto.
Taylor começou a ler.
A caligrafia firme do pai preencheu
a página:
“Thomas,
Se esta carta chegou até você, é porque a vida, com suas manias de nos colocar nos trilhos certos na hora errada, decidiu que eu precisava escrever antes que o tempo me traísse.
Tenho guardado comigo uma gratidão silenciosa por tudo que você fez — pelas conversas rápidas no celeiro, pelas vezes em que me ajudou com o que eu não tinha mais força para fazer, e por ter olhado para esta família com respeito, mesmo sem nos conhecer tão bem. Você sempre foi um bom homem, Thomas. Daqueles que não anunciam, mas provam.
Há algo que não contei a ninguém — nem sei se deveria escrever aqui. Mas o corpo tem maneiras de avisar que o tempo está mudando. Ando cansado demais. Há dores que não são normais. Não quero preocupar Andrea ou Taylor antes da hora. Ainda assim… eu sei.
E preciso que você saiba.
Por isso, Thomas, peço que, se um dia eu não estiver mais por perto, ajude-as.
Não porque você me deve algo, mas porque confio em você.
Porque vi em seus olhos honestidade quando poucos ofereciam isso.
Cuide de Andrea. Ela é meu chão. Uma mulher que segurou mais tempestades do que eu merecia impor a ela. Sei que já faz muito por ela e, por isso, jamais conseguirei agradecer a você o suficiente. Mas ainda assim, peço, se puder, que olhe por ela com a mesma gentileza com que você sempre a tratou.
Tenho muitos arrependimentos em minha vida e um deles é nunca ter planejado um encontro entre você e minha filha – mesmo que eu tenha falado tanto dela para você. Sem dúvidas, seria um grande encontro de duas pessoas que merecem a vida, mas eu acredito que você a conhecerá e verá com seus próprios olhos a grande mulher que ela se tornou.
Não sei se algum dia terei coragem de dizer isso diretamente. Talvez não tenha tempo. Mas minha filha sempre foi o meu orgulho mais silencioso. Chegou ao mundo chamando atenção, mesmo quando tentava se esconder. É inteligente, dedicada, sensível de um jeito que poucos percebem. E eu a admiro. Muito mais do que ela imagina.
Ela sempre foi uma luz grande demais para caber nesta casa pequena. Destemida, teimosa como a mãe. É capaz de sonhar alto sem perder o pé no chão, embora às vezes eu ache que ela merecia voar ainda mais longe do que imagina.
E você sabe, Tom, que tudo que construí aqui era, no fundo, pensando nela.
E por isso, se um dia eu não puder mais fazer o que faço, eu quero que a fazenda fique com Taylor, porque tudo o que construí aqui, cada cerca, cada pedaço de terra cuidado sempre foi pensando em deixá-la a alguém que pudesse amá-la tanto quanto eu. E essa pessoa é Taylor.
Quero que ela realize os sonhos dela, mas também quero que tenha um lugar para chamar de lar, porque se a vida for dura com ela. Quero que ela tenha onde voltar.
É por isso que lhe faço um pedido que talvez seja egoísta:
Cuide delas. E cuide de si.
Despeço-me com carinho e gratidão por tudo que fez, e talvez ainda fará por esta família.
Scott Swift”
A carta terminou com o nome “Scott
Swift” traçado em uma caligrafia que tremia um pouco – uma assinatura de quem
já lutava contra o próprio corpo, mas ainda assim se esforçava para ser firme
pela família.
O silêncio que se instalou depois
foi pesado, quase físico.
Taylor não percebeu quando começou
a chorar. As lágrimas vieram quentes, uma após a outra, sem aviso, sem
contenção, como se fossem parte inevitável daquela leitura. Ela piscou,
tentando continuar, mas a voz não saiu.
Andrea, que estava ao lado, levou a
mão à boca, sufocando um soluço que não tinha planejado soltar na frente de
ninguém. A dor nos olhos dela era profunda, mas havia também um alívio estranho
— como se finalmente pudesse acessar um lado do marido que ele nunca deixou
transparecer em vida.
Thomas estava sentado no tapete, de
frente para Taylor, observando sem conseguir esconder o próprio impacto. Ele já
conhecia a carta, já tinha lido mais de uma vez, mas ver elas lendo era
diferente. Era devastador. Era como testemunhar Scott falando com a família
pela última vez.
Taylor apertava o papel contra o
peito, como se tentasse devolver o pai para dentro dele.
— Eu… — ela tentou falar, a voz
falhando. — Ele sabia… e não disse.
Andrea assentiu, com os olhos
marejados.
— Seu pai… sempre tentou nos
proteger. Até demais.
Taylor virou-se para Thomas — não
com cobrança, mas com uma dor suave, exposta, vulnerável.
— E você guardou isso sozinho. —
ela sussurrou. — Meu Deus, Thomas…
Ele respirou fundo, como se
estivesse carregando peso nas costelas.
— Não era meu direito contar,
Taylor. — disse com a voz baixa, firme. — Mas ele confiou em mim… e eu tentei
honrar isso do jeito que consegui.
Ela engoliu um choro, raspando a
garganta.
— Ele… ele queria que você cuidasse
da gente. — ela recitou, ainda segurando a carta. — Ele acreditava em você
antes mesmo… antes mesmo de eu te conhecer.
Thomas desviou o olhar por um
instante, apertando as mãos.
Era evidente: aquilo também o quebrava.
Andrea se aproximou de Thomas e,
num gesto inesperado, segurou sua mão.
— Obrigada… — disse ela, num fio de
voz. — Por tudo que fez pelo Scott… por tudo que fez por nós. Ele estaria em
paz vendo como você cuida da minha menina.
Taylor chorou mais forte quando
ouviu isso.
E Thomas, pela primeira vez naquela
noite, deixou uma lágrima escapar.
Depois disso, não havia mais
músicas, nem histórias, nem risadas capazes de preencher o ar. Não era uma
tristeza pesada, mas uma despedida suave, inevitável, que pendia sobre eles
como um véu.
A ceia continuou em silêncio
confortável, com pequenas tentativas de sorrir.
E quando Andrea finalmente disse boa noite e subiu para o quarto, Thomas e
Taylor permaneceram sentados no sofá, lado a lado, ainda de mãos dadas.
— Vem. — ela disse baixinho. — Fica
comigo essa noite.
Thomas assentiu. Não havia
discussão possível.
Subiram juntos para o quarto dela –
o quarto onde ele esteve pela primeira vez naquela manhã, ainda tímido, ainda
descobrindo seu mundo. Agora, tudo parecia diferente.
Deitaram-se devagar, como se o
colchão pudesse partir com o peso de qualquer gesto brusco. Taylor encaixou a
cabeça no peito dele. Thomas passou o braço por cima dela, envolvendo-a inteiro
e ficaram assim – respirando no mesmo ritmo, compartilhando calor, silêncio,
memórias que nem sabiam que teriam que guardar.
Ela passou a mão no maxilar dele.
— Não quero que você vá. —
confessou, sem rodeios.
Thomas apertou os dedos no cabelo
dela.
— Eu não quero ir. — respondeu. —
Mas preciso resolver as coisas lá. Fechar aquilo que… — ele respirou fundo —
…que me prende antes que eu possa escolher ficar de verdade.
Os olhos dela arderam.
— E você vai voltar? — perguntou
com a voz mais frágil que ele já ouviu nela.
Thomas inclinou a testa sobre a
dela.
— Mesmo que o mundo tente me
segurar lá… — ele murmurou — …eu volto. Taylor, eu volto para você.
Ela sorriu triste, deslizando a
palma sobre o peito dele, sentindo o coração dele bater forte, firme.
Passaram horas assim — trocando
carinhos leves, confidências sussurradas, medos do futuro, promessas que
nasceram no escuro.
Nenhum deles dormiu direito porque era a última noite antes de tudo mudar e ambos, silenciosamente, queriam congelar aquele instante para sempre.
[CONTINUA]

Nenhum comentário:
Postar um comentário