Thomas ainda permanecia com a mão
estendida, olhando fixamente para Taylor – sua expressão era firme, tentava
transmitir alguma confiança, mas Taylor se levantou com um riso irônico,
balançando a cabeça de maneira negativa.
— Isso é uma piada, certo? — ela
continuara rindo. — Não é possível, é o cumulo da arrogância.
— Não é piada, nem arrogância de
minha parte. — Thomas respondeu firme. — É uma maneira simples de resolver
tudo. Em um ano, você teria a fazenda e estaria livre.
— Um ano?! — Taylor indagou,
incrédula. — Meu Deus, Thomas!
Taylor caminhou em silêncio até o
primeiro degrau, olhou-o e apenas disse:
— Vá dormir!
— Pense nisso, Taylor. Por favor,
apenas... pense um pouco sobre isso.
Ela ignorou-o e subiu as escadas
indo até o seu quarto. Fechou a porta e deitou-se dura, ainda incrédula com a
proposta que ouviu. Pelo som do rangido do piso, Thomas também havia ido para o
quarto de hóspedes.
Toda a casa ficara em silêncio, com
o som do vento batendo contra janela e o estalar do fogo da lareira sendo os
únicos sons que a acompanhavam naquela madrugada.
“Isso é loucura!”, pensava Taylor.
Propor um casamento como se tudo fosse apenas negócios a serem resolvidos, mera
negociação de um bem pelo outro. Já não sobrara nada para chamar de seu, ainda
foi proposto que perdesse a sua liberdade.
Virou-se diversas vezes pela cama,
mexia-se agoniada, permitia-se chorar sozinha. E foi no manto da solidão que
Taylor adormeceu naquela noite, pedindo que tudo não passasse de um mero
pesadelo vívido.
Na manhã seguinte, a fazenda estava
coberta de branco – o sol mal conseguia atravessar o véu de neve, Taylor
despertara com sons de vozes vindo do piso inferior. Olhou no relógio da
cabeceira e já passara das 09h, levantou-se às pressas – foi até o banheiro,
ligou o chuveiro e sentiu a água fria atingir sua pele como pequenas agulhas,
despertando-a de vez. Arfou, respirando o vapor que não vinha e tremia-se,
encolhida naqueles poucos minutos que passara da ducha.
Ao sair, trocou-se rapidamente,
agasalhando-se; prendeu seu cabelo em um rabo-de-cavalo e finalizou com uma
trança, ajeitando sua franja.
Desceu as escadas enrolada em um
cardigã antigo. O cheiro de café fresco vinha da cozinha, a mesa ainda estava
posta com torradas, ovos fritos e cogumelos salteados. Na sala de estar, sua
mãe estava na poltrona coberta nas pernas por um edredom, enquanto Thomas
estava sentado próximo a ela mostrando algo que Taylor não viu a longa
distância, mas ao se aproximar, viu Thomas explicando a organização feita de
seus remédios.
— O que pensa que está fazendo? —
indagou, cruzando os braços.
Thomas olhou-a e em um movimento
rápido, afastou-se de Andrea Swift, sua mãe. Manteve um olhar sereno, mas
Andrea respondeu:
— Bom dia, querida, dormiu bem? —
sorriu. — Tom me ajudava a organizar meus remédios, pedi para que fizesse
uma...
— Planilha. — ele completou,
sorrindo.
— Isso, planilha para mim. Para
atentar-me quando você estiver ocupada. — finalizou. — E ele fez café da manhã
para nós, está uma delícia.
— Mamãe, sabe que estou aqui para
isso... cuidar da senhora... — Taylor foi até sua mãe e sussurrou. — Não
precisa lembrar, eu lembrarei para a senhora.
— Sim, minha querida, mas você já
tem muito o que se preocupar. Hoje mesmo, dormiu até demais... — Andrea riu. —
Tinha o remédio das 05h e das 07h, não me lembrava com certeza de qual era,
então, Thomas me ajudou e ainda fez um belo café da manhã para que eu não
tomasse em jejum.
— Perdi a hora... — Taylor
respondeu, envergonhada. — Tive uma péssima noite de sono... — olhou para
Thomas, culpando-o. — mas agradeço a ajuda, Thomas, mas eu sigo daqui...
— É claro. — ele respondeu-a,
sereno. — Mas antes, não faça desfeita do que preparei para café da manhã,
confesso que vasculhei a dispensa... é algo improvisado, bem inglês.
Taylor forcou um sorriso – sabendo
que sua mãe, como fazia com ela desde pequena, monitorava-a para manter
cordialidade com terceiros. Sentou-se e Thomas serviu uma xícara de café, ela
bebericou e provou de suas torradas. Thomas sentou-se em uma frente e perguntou,
de maneira discreta:
— Pensou em minha proposta?
— Não, ainda não. — respondeu
ríspida. — Não quero começar o dia falando disso, tenho mutio o que fazer por
conta da nevasca... quero focar no que posso fazer agora.
— Tomei permissão de ir no celeiro,
vi que tem algumas coisas para arrumar. Eu posso...
— Não, não pode! — Taylor aumentou
o tom. — Apenas... não faça mais nada!
— Taylor, eu sei que está brava
por...
— Pare de dizer como me sinto ou
deixo de sentir, Thomas. Só... para! — ela interrompeu-o. — Você não pode vir
até aqui me dizer que minha casa pertence a você, propor-me um casamento e
achar que está tudo certo, como se fosse normal, uma transação...
— Não acho isso! Não penso dessa
forma. — ele respondeu sereno, olhou-a sério. — Não acha que eu gostaria de me
casar com alguém que eu amo?! Na primeira vez que fosse propor uma mulher,
fizesse sentido para ambos?! Não é normal, nem será visto como uma simples
transação. Não para mim! Eu quero fazer o certo, mas com respeito.
Taylor abaixou a cabeça, pois
sentia-se intimidade com olhar que Thomas mantinha fixo a ela, além do seu tom
calmo de falar – tudo nele conseguia tirá-la do eixo.
— Não me entenda mal, Taylor... —
ele sorriu. — Queria ter te conhecido de outra forma porque, de certa forma, eu
a conheço pelo tanto que seu pai me falava sobre você. Eu queria que ele
tivesse dito sobre mim também porque as coisas seriam diferentes agora. Você
não me olharia com tamanha desconfiança quando tudo que vejo em você é a razão
do seu pai ter te admirado tanto, amado tanto você e ter feito o que fez por
você.
Ela sentiu seu peito estufado, como
se prendesse toda dor do mundo dentro de si. Balançou a cabeça e suspirou fundo
para que parte daquela dor saísse de dentro. As palavras eram belas, saber que
seu pai a enxergava de tal forma significava muito, mas ela se negou a pensar
no próprio pai por tempo depois – doía muito.
— E por minha causa, tudo deu
errado... — disse ela, cabisbaixa.
— Não é verdade! Você é pessimista,
isso era algo que ele me disse diversas vezes. — Thomas aumentou o tom, rindo. —
Scott me dizia “Taylor é incrível, tem potencial de ir longe, ela é
inteligente, tem ideias incríveis, mas nada vai dar certo para ela! Ela acha
que o mundo agirá contra ela”. — Thomas imitou o falecido. — “Oh, mandar Taylor
para faculdade foi um sacrifício porque ela pensa que Nova Iorque não é lugar
para uma pessoa como ela, que cresceu aqui”. — continuou. — Ele dizia que, na
verdade, você tem medo de conquistar o mundo.
Taylor olhou-o com atenção e rira
de imitações bastantes convincentes. Ele realmente conheceu seu pai – Thomas
conheceu seu verdadeiro pai. Seus olhos marejaram, mas ela não
cedeu à emoção, dizia para si mesma incessantemente para não confiar.
— Nunca foi medo... — disse ela,
sua mãe virara atenção à filha. — É que eu nunca quis conquistar o mundo, pelo
menos, não o mundo de fora. Eu só quero conquistar e ter o que me pertence.
Todos ficaram em silêncio, ela
olhou-o e questionou curiosa:
— Acho que você sabe demais sobre
nós, sobre mim! E você, quem é você, Thomas?! O que fez um homem de terno e
gravata de Londres vir parar em Winsconsin e querer ajudar tanto um homem endividado?
É vésperas do natal, cadê a sua família?
— Minha família é somente a minha
irmã... — ele respondeu. — perdi meus pais quando ainda éramos adolescentes. Um
acidente no trânsito...
Taylor ficara surpresa – ousou
perguntar para provocá-lo, ou provocar alguma verdade, mas a verdade parecia
tão triste quanto a sua. Ele abaixou a cabeça e rodou a xícara de café que
segurava com força.
— Quem nos criou foi nossa tia, Karen.
— continuou. — E criou-nos muito bem! Saímos de Farnham para morarmos em
Londres, onde crescemos o resto de nossa adolescência e estudamos. Fizemos uma
vida na cidade grande, apesar de não sermos de lá... — ele sorriu. — Meu pai
era contador, acho que foi dele que me veio a vontade de... continuar, entender
o que ele fazia, acho que tentei me aproximar dele por meio dos números; já a
minha mãe era dona de casa, mas trabalhava com meu avô em um mercadinho no
vilarejo em que cresci. É bem diferente daqui, mas também era calmo.
Enquanto Thomas lhe contava as
coisas, bem tímido e tomado por certa nostalgia, Taylor inclinou-se para
frente, mantendo os olhos nele. Ele continuou:
— Minha tia ficou em Farnham, não é
tão longe de Londres e ele gostava da vida calma da cidade, tinha herdado a
casa dos meus avós. Não é uma fazenda grande como essa, mas eles conseguiam
criar carneiros e alguns cavalos. Ela voltou para lá, mas eu e minha irmã,
Emma, ficamos em Londres. A minha irmã é maravilhosa, sabe? Ela é tão alegre,
cheia de vida, cheia de energia... — ele sorrira. — ela é dona de uma padaria,
ela cozinha muito bem. E desde pequena, ela adorava cozinhar e me ensinou o que
sei... — ele apontou para a mesa. — mas a gente passou não se encontrar com
muita frequência, ainda mais após minha tia falecer. há alguns anos...
— Sinto muito, Thomas.
— Eu também, eu também... —
repetia, pensativo. — Ela sempre me chamava para passarmos as festividades
juntos, mas eu era tão focado no trabalho... eu perdi muita coisa pensando que
o meu esforço me traria algo bom. Não é verdade.
— E como veio parar aqui? Como
conheceu meu pai tão bem assim?
— Já te contei sobre isso. O acaso
fez com que cruzássemos os nossos caminhos.
— Você paga os remédios da minha
mãe, isso não é só um acaso. Eu sei que tem mais do que você não me conta.
— Não é que eu não te conto, mas as
coisas aconteceram, foram acontecendo. — Thomas respondeu duro. — Não tem
nenhum segredo, não da minha parte. Eu gostei do seu pai, ele gostava de mim
também... tivemos uma amizade que significou muito para mim.
— Ainda não responde o porquê de
você decidir ser tão solicito e empático.
— Você quer que eu diga algo que
justifique minhas intenções como se tivesse algo, uma pegadinha, mas não tem
ele. — Thomas rira, inconformado. — Quando eu vim para cá, pensei em encontrá-lo,
eu daria uma bronca por ter sido tão tolo em abrir mão porque eu acharia um
jeito para ele não hipotecar a casa, questionaria o porquê dele não ter me
ligado e, finalmente, daria a boa notícia de que eu comprei a fazenda a tempo.
— Iria pedir meu pai em casamento
também? — Taylor indagou provocativa.
— Ah, seria uma boa opção se vocês,
americanos, não fossem tão atrasados. — ele rira. — mas eu pensei em ofertar a
ele uma sociedade em que todo e qualquer lucro, apesar de conjunto, seria todo
dele e quando atingisse o valor; ele compraria a fazenda de volta.
— E por que uma sociedade não é
possível para nós dois?
— Porque não seria uma sociedade de
verdade, ele trabalharia para mim. E eu sabia que essa seria uma escolha dele
para honrar a dívida dele. Já você, Taylor, além de desistir da sua faculdade e
estar sozinha aqui com sua mãe, suportaria trabalhar para mim o resto de sua
vida?! Sejamos honestos, a verdade é que você teria que renunciar a toda a sua
vida para pagar a dívida de seu pai e, para mim, isso não é justo.
— E me casar com você é justo?
— Também não é o correto, mas pense
bem. Em um ano, depois de arrumarmos todas as papeladas, faremos a divisão de
bens e eu abrirei mão dessa fazenda. Ela será sua e sem carregar nenhuma
dívida.
— E está tudo bem para você se
casar sem nenhum vínculo? O que a sua família pensaria? De você se casar com
uma qualquer?! Eu seria vista como interesseira!
— Quem precisa saber que existe
interesse? É mútuo! — ele retrucou. — Ninguém precisa saber de tudo, será algo
nosso.
Taylor não respondeu, levantou-se e
recolheu os itens da mesa e virou-se contra Thomas para lavar a louça. Já ele,
levantou-se e vestiu um casaco antigo de Scott, dado pela Andrea, para que ele
se agasalhasse durante sua passagem ali.
No alpendre, Thomas sentiu o ar gelado
cortar seu rosto, ele fumegou e observou toda a paisagem estar branca. Ele caminhou
em passos pesados até o celeiro, onde as coisas estavam iguais desde a última
vez que viera.
Observou a mesa principal com as ferramentas
de Scott todas guardadas – e em cada uma delas continha sua assinatura, S.Swift.
Olhou em volta, tentando entender como cada item do celeiro estava organizado.
Achou algumas madeiras encostadas, pegou
uma por uma e, aos poucos, começara a martelar pensando no telhado acima da
garagem da casa que foi danificada pela nevasca. Cada martelada, Thomas pensava
na conversa que teve com Taylor e como, de alguma forma estranha, cada ideia
sua era malvista por Taylor.
Ele tinha certeza de que tudo seria
mais simples se Scott tivesse ouvido seus conselhos. E mesmo sentindo que
conhece Taylor, ela não pode dizer o mesmo porque Scott sequer achou importante
falar sobre ele. Talvez ele não fosse tão importante assim.
O celeiro trazia muitas lembranças
à Thomas – risos antigos, piadas ruins, café fresco, momentos inusitados, trocas
de boas e más histórias. Parte de Thomas gostava da vida que levava em Londres:
os números não o confundem, dão certeza; gostava de chefiar e delegar; tinha
prumo em resolver problemas, em ser ágil; o tempo na cidade grande era mais
rápido, ele não precisava pensar tanto. Os problemas de Thomas pareciam banais
demais para o que Scott enfrentava, mas Scott ensinou-o a enxergar de outra forma.
Não eram os problemas de Thomas que
eram banais, mas a forma como ele banalizava e fugia de seus problemas. Era
melhor resolver os problemas alheios. E era muito fácil tentar ser o herói da
história de alguém por ser o anti-herói de sua própria história.
Perdeu-se no tempo. A tarde chegara
com o sol, bem tímido, filtrando-se pelas frestas do velho celeiro, riscando o
ar em finos feixes dourados. O cheiro de feno e madeira antiga se misturavam no
ambiente, dando ao lugar um cheiro bem familiar para o rapaz.
Na casa, Taylor passara pela janela
diversas vezes em busca de vê-lo, mas Thomas não saiu do celeiro por nenhum
momento. Havia se passado horas desde que conversaram pela manhã e Taylor
fingia que não pensava nele ao realizar suas tarefas corriqueiras.
Ela pegou um exemplar de O Presente
dos Magos, de O. Herry e sentou-se ao lado da poltrona de sua mãe – que já
havia almoçado, cochilado e agora fazia crochê.
— Mais um de natal? — questionou a
mãe, curiosa.
— Sim, achei na biblioteca do
centro. — respondeu. — Apesar das coisas não estarem normais, quero seguir a tradição:
um livro, um filme e músicas natalinas.
— E a nossa árvore, não irá escolher
uma nesse ano?
Taylor suspirou e fechou o livro. Tudo
neste lugar gira em torno dos pinheiros e em nenhum momento, ela pensou na
árvore de natal de sua própria família.
— Nunca fiz isso sem o papai... —
ela comentou, pensativa. — Não é a mesma coisa.
— Mas estamos vivas, filha... —
Andrea pegou na mão de Taylor. — Ainda estamos aqui e seu pai gostaríamos de
que seguimos em frente.
Taylor concordou, mas abaixou a
cabeça.
— Não é esquecê-lo, mas levar seu
pai conosco. — sua mãe sorriu. — Vá, querida, escolha nossa melhor árvore e vamos
decorá-la. Eu quero isso!
— Tudo bem... — Taylor concordou.
— Chame Tom para te ajudar. — sua
mãe pediu. — E não seja malcriada com ele.
— Mãe, você ouviu nossa conversa...
sabe o que ele propôs! Nada disso é certo! — Taylor dizia, inconformada. — Não
faz sentido algum, diga-me por que papai confiaria neste homem?!
— Ele é um bom rapaz... — ela
respondeu. — Não posso falar dele, pois não cabe a mim, mas ele fez companhia para
seu pai por muito tempo. Ele veio mais do que disse, de fato. E ele me ajudou,
ainda me ajuda. Eu sabia dos remédios porque seu pai ficou muito grato e com
gastos a menos aqui, ele poderia te ajudar mais lá.
— Porque não me contaram de toda
essa dívida!
— Não queríamos te preocupar, essa
é a verdade, minha filha. — Andrea respondeu, havia tristeza em sua fala. — Nós
erramos, eu admito! Mas nós sabíamos que no minuto que falaríamos para você que
estávamos com problemas, você voltaria.
— Óbvio que voltaria, mãe!
— Por isso mesmo. — ela reforçou. —
Pensávamos que daria certo.
— E não deu... — Taylor completou. —
Se eu não me casar com ele, perderemos tudo.
— Você não é obrigada a fazer algo
que não quer. Eu irei respeitar a sua vontade. — Andrea. — mas eu gostaria que você
também desse uma chance ao Tom. Tente conhecê-lo. Se não for por amor, que seja
como amizade.
— Para ele, são negócios. Não há
amizade! — Taylor retrucou. — E eu também não confio nesse homem.
— Pense nas razões que a leva
desconfiar dele e tente entender.
Taylor concordou, mas não
exatamente com o conselho de sua mãe. Ela não confia nele, mas seu pai confiou
por alguma razão. Ela teria que investigar mais a fundo, entender suas
verdadeiras intenções, pois, como disse sua mãe, eles se conheceram mais do que
Thomas diz.
Ela voltou a atenção ao livro, leu
pouco mais de quinze páginas, enquanto sua mãe dominava as agulhas e a lã para
fazer o que parecia um gorro.
A noite caiu em completa escuridão
e a tempestade continuava lá fora, cobrndo a fazenda com um manto espesso de
neve. Dentro da casa, o calor da lareira não era o suficiente para dissipar o
frio que ficou no clima entre Taylor e Thomas – que trocaram poucas palavras
desde que Thomas voltara do galpão.
Durante sua ausência, Taylor – com a
ajuda de sua mãe, preparou o jantar. Os três sentaram-se à mesa e jantaram
quase que em completo silêncio, mesmo que Andrea se esforçasse para que
houvesse uma troca de conversas, mas não houve retorno; Thomas apenas comunicou
que havia concertado duas telhas quebradas e o portão da fazenda, ambas
agradeceram o gesto e continuaram a refeição em silêncio. Cada um imerso em seus
próprios pensamentos.
O resto da noite se estendeu em um
silencio incomodo. Thomas agasalhou-se novamente e saiu para o celeiro,
enquanto Taylor acompanhou sua mãe para o seu quarto.
Após conversar com sua mãe, Taylor
desejou boa noite e foi para seu quarto. Pela janela, viu Thomas tentando
remover seu carro do meio da nevasca e levar para a garagem improvisada que fez
com algumas telhas e madeiras que trabalhou durante a tarde.
Taylor pensou em descer para chamar
a sua atenção, mas viu que a porta do quarto de hospedes estava aberta e a
curiosidade tomou conta de si. Descalço, ela andou lentamente para o quarto em
que Thomas tomara posse desde que chegou.
Ao entrar, ela reparou que ele
mantinha tudo organizado – a cama arrumada, as roupas que usava dobradas na
cômoda e sua mala no chão. A dúvida sobre ele engoliu qualquer sinal de moral,
Taylor abriu a mala e começou a vasculhar os itens pessoais de Thomas.
Achou seus documentos: passaporte,
carteira de motorista e identidade – todas com o nome que apresentou: Thomas
Hiddleston (31 anos, inglês). Dentro da mala, tudo estava bem-organizado:
contratos, recibos e cartas timbradas do Wells Fargo, alguns com datas
recentes. Viu a assinatura do pai em várias folhas, em tinta azul. Sentiu o
peito apertar.
Os termos eram difíceis, Taylor não
entendia muita coisa do que lia: “Clausula de transferência condicional de
propriedade....”, “união civil temporária...”, “direitos sobre bens e terras...”
Ela franziu o cenho.
— Que tipo de contrato é esse?
Virou a página, procurando algo
mais compreensível, mas quanto mais lia, menos sentido fazia. Leu o que pôde.
Entendia algumas palavras, mas os termos jurídicos dificultavam o seu entendimento.
“hipoteca primária, bens imóveis, cessão de título, penhora parcial, vencimento
antecipado...”. Os documentos eram densos.
De repente, um rangido ecoou pelo
piso de madeira. Ela se virou num sobressalto. Thomas estava parado na porta do
quarto, o olhar calmo, mas atento. A luz fraca da lamparina desenhava sombras
em seu rosto.
— Achou o que queria? — Thomas
indagou, aproximando-se.
— Thomas... — Taylor se aproximou.
— Não, continue! Pode olhar minha
mala, minhas roupas... — entregou um molho de chave. — pode olhar no carro
também.
— Thomas, eu só estou tentando
encontrar respostas.
— E quando neguei alguma para
você?! Tudo que você já me perguntou, tudo que quis saber sobre mim, eu te
contei. — ele retrucou. — Mas você quer achar coisas que você pensa que fará sentido
para você!
— Eu quero a verdade, só isso.
— Não, você quer a sua verdade!
Ele respirou fundo, e o tom da voz
amoleceu.
— Se eu quisesse te enganar,
Taylor, não estaria consertando as coisas, cuidando da sua mãe ou ficando preso
aqui nessa nevasca.
— Isso não te torna confiável —
respondeu ela, mas o tom não tinha mais força.
Os dois se encararam por um longo
tempo. O fogo da lareira reavivava o brilho avermelhado nos olhos dela, e a
distância entre eles parecia se dissolver com cada respiração.
— Isso é verdade! Mas eu tentei. —
Thomas respondeu. — Não tem mais o que eu fazer aqui porque você jamais
confiará em mim ou acreditar na minha intenção.
— O que quer dizer?
— Vou embora amanhã. — ele disse,
firme. — Ter vindo aqui foi um erro.
— E... e a... e a casa? O que você...
— Fique tranquila, ainda não tenho
interesse nela. — ele respondeu. — E em outro momento, conversaremos de outra
forma. Você pode ter seu advogado, alguém de sua confiança... O que for melhor
para você.
Taylor o olhou por alguns segundos.
Parte dela queria acreditar. Outra parte, não.
Mas antes que pudesse responder, ele se afastou, pegou o casaco e disse:
— Acho melhor eu ir embora amanhã
cedo. Não quero ser essa desconfiança.
Ela sentiu o estômago afundar, um
impulso quase infantil querendo detê-lo, mas o orgulho falou primeiro.
— Você está certo.
[CONTINUA]

Nenhum comentário:
Postar um comentário