04 maio 2025

O crime da Delancey Street | 13° Capítulo.

Selena mexia as mãos de um lado para o outro apenas apreciando o barulho das algemas quando entrava em contato com a mesa. Aquilo a distraia da grande ansiedade que sentia dentro de si mesma de todos os medos que a dominavam em relação ao ocorrido.

Ela tinha se declarado culpado. Ela era culpada de matar o sr. Tesfaye.

E eles tinham prova disso.

Selena sentia seu corpo tremer sem que pudesse se controlar. Ela tentava permanecer calma, como se pudesse demonstrar uma plenitude que não a pertence. Respirou fundo e disse a si mesmo que era hora de enfrentar as consequências.

— Selena? — ouviu chamá-la. — Está entendendo todas as condições?

Selena voltou a si e olhou para dra. Cassandra, sua advogada concedida pelo Estado. Balançou a cabeça em negativa.

— Entendo que esteja nervosa, mas preciso que preste atenção no que estou te falando.

— Desculpa...

— Selena, daqui a duas horas, iremos ter uma audiência em que você terá que se declarar culpada ou inocente e isso decidirá seu futuro. Sou advogada que irá te representar neste processo e preciso que você seja franca comigo.

— Eu... eu não sei bem...

— A promotoria alega não ter provas contra você e você confessou na delegacia ter matado sr. Tesfaye e ateado fogo em sua propriedade.

— Sim, isso mesmo.

— Selena, você também alegou ter sofrido uma perda de memória após o acidente. Isso significa que sua confissão não é confiável já que você ainda segue considerada mentalmente instável.

Selena ficou em silêncio.

— Seus pais querem ter te ver, você aceita a visita? Talvez eles possam te ajudar a organizar sua mente...

— Não quero ver ninguém até lá. Irei me declarar culpado, pois sou culpada!

— Bom, ainda preciso que você me conte como tudo aconteceu até o momento da sua confissão, peço para que seja franca comigo porque irei te defender baseado em tudo que você tenha a me contar e nas provas que terão contra você.

Selena suspirou e disse:

— Não precisa fazer tanto esforço, eu irei me declarar culpada.

— Conversei com Abel e ele não acredita em sua confissão. Você está fazendo isso para tentar protegê-lo?

— Proteger Abel? — Selena riu. — Eu estou morrendo de medo de ir a cadeia.

— Ele não acredita nisso e será uma boa testemunha. — dra. Cassandra respondeu. — Você foi coagida a isso ou tenta proteger alguém?

— Com todo respeito, você tem um caso fracassado. Entendo sua frustração em tentar fazer com que o que está acontecendo seja além do que realmente é. Eu já fiz o mesmo durante um tempo... não vale a pena...

Ambas ficaram em silêncio por alguns segundos.

— Estou fazendo isso por mim!

— Selena, não sou uma advogada gananciosa. Sempre pego os piores casos e nunca espero ganhar, tanto que quase nunca ganho. Meus clientes mentem, escondem informações valiosas e me colocam em cada furada...

— Serei mais um fracasso seu... — Selena riu, mas tinha lagrimas nos olhos.

— Na verdade, diria o oposto disso. Você mente, sim, você mente, mas mente pelos motivos errados. Você não é culpada e dizer que é, será o maior erro de sua vida.

— Pode ter certeza de que tenho erros piores. — enxugou uma lágrima que caiu. — Isso sou eu corrigindo as coisas.

Selena colocou as palmas de suas mãos na mesa e sentiu o gélido do metal. Suspirou e afirmou mais uma vez como se precisasse convencer mais a si mesmo do que outros.

— Sou culpada!

***

Naquela mesma tarde, Selena se declarou culpada frente ao juiz sobre o assassinato do seu vizinho, sr. Tesfaye. E em mais uma reviravolta do caso – e dessa vez, Selena tinha certeza de que seria a última, a mídia buscou como urubus motivos para que o notável caso ganhasse este fim. E não demorou muito para que o NY Post começasse algumas investigações para apontar razões que levaram Selena ao ato. O NY Daily News também fez investigações para construir seu artigo mais visualizado daquele bimestre, o artigo explorava as ligações que Selena manteve com a família Tesfaye e como teve sangre frio para manter-se próxima à família após o assassinato, onde brincou de gato e rato consigo mesma, fazendo mais vítimas como Abel Tesfaye e Phillip Hart que, além de sofrerem suas perdas, também lidaram com a frieza e manipulação de Selena.

Toda essa atenção midiática levou o caso jurídico para um caminho que Selena jamais imaginara antes e foi neste momento que sentiu perder controle de tudo – como se um dia tivesse controlado alguma dessas coisas. Foi no primeiro dia de seu julgamento no tribunal que Selena soube que a promotoria pediu a prisão perpetua, pois a Estado não aceitava mais a pena de morte. Infelizmente, segundo a população novaiorquina, já que pessoas como Selena Gomez sequer merecia viver neste mundo.

Já na penitenciaria que ficava localizada no interior do estado, Selena acostumou-se com o cotidiano, bastasse que toda semana repasse uma quantia de trezentos dólares para a facção que liderava os corredores – tal dinheiro era de seus pais, que mandava para a conta de Selena todo mês na tentativa de ter o perdão de sua filha. Porém, Selena manteve sua promessa, naquele dia foi a última vez que seus pais a viram pessoalmente.

Não tinha amizades, mas convivia bem com duas colegas de cela e não recebia nenhuma visita, pois não permitiu a entrada de ninguém durante os primeiros meses de julgamento. Era difícil viver naquele lugar, Selena, todas as manhãs, nomeava o nome de todas as coisas que sentia mais falta. E ria em saber que ela realmente uma cidadã de Nova Iorque, ela simplesmente sentia falta do metrô.

— Quanto tempo está aqui? — perguntaram-na.

— Oito meses.

— Já foi julgada?

— Ainda não... — suspirou. — Meu julgamento será no próximo mês.

— E você está preparada? Acha que tem chances de sair?

— Já me declarei culpada. — Selena riu. — Você realmente acha que terei chances?

***

Selena arrumou sua roupa, passava sua mão esquerda por cima do terninho que costumava utilizar para apresentar seminários ou fazer entrevistas de emprego. Estava muito ansiosa, sentia seu coração bater mais rápido do que o habitual, percebeu-se pálida e, às vezes, até zonza pelo nervosismo.

— Está bem? — perguntou dra. Cassandra.

— Sim, sim, um pouco nervosa. — Selena riu. — Não sei por que, não é como se eu não soubesse o que aconteceria. — disse.

— E você não sabe mesmo. Tem que ter esperanças. — dra. Cassandra. — Ainda dá tempo de pedirmos um prazo maior, reformular o caso, declarar-se inocente.

— Já é tarde demais. No tribunal das ruas, da internet... já me declararam culpada.

— Selena, antes de irmos, tem uma pessoa que quer vê-la. Aceite, pois, se nada for diferente do que você espera, você se arrependerá.

A dra. Cassandra foi até a porta e abriu-a, Abel entrou. Selena assustou-se, ele estava diferente... um diferente bom. Ela sorriu com certo orgulho, seus olhos marejaram quando o olhou diretamente. Já Abel, enxergava Selena de uma forma diferente. Nos últimos meses, só tinha visto Selena pela televisão.

— E aí... — Selena tentou soar descontraída. — Como está indo?

Abel não a respondeu, olhou-a por mais alguns instantes e aproximou-se dela sem tirar os olhos em cada detalhe de seu rosto. Selena sentia-se mal, pois sabia que Abel era capaz de enxergar além do que vê, ele conseguia enxergar sua alma naquele momento.

Ele deslizou os dedos em seus cabelos negros e passou as pontas dos dedos em sua bochecha, sentiu seu corpo eletrizar ao ver Selena pessoalmente. Era real.

— Selena... — pegou em sua mão. — Por favor, conte-me o que aconteceu?

— Abel, apenas deixe isso de lado. Eu estou tão feliz de te ver. Eu quero pedir perdão...

— Apenas pare! Eu sei que você não fez nada e eu pedi para depor, eu direi isso para o júri. Você é inocente, Selena! Você sabe disso, eu sei disso... Até Phillip Hart me procurou e sabe disso. Quem você está protegendo?

— Ninguém além de você, eu juro. — Ela sorriu confiante. — Abel, estou fazendo isso por mim mesma e por você. Você é o mais inocente dessa história inteira.

— Phillip me disse que antes de você assumir a culpa, você estava com seu pai e você também não aceita as visitas deles. O que você sabe?

— Abel... — Selena o abraçou fortemente. — Apenas deixe-me aproveitar você aqui.

Abel abraçou-a ainda mais forte, cheirou sua pele... tudo ainda era o mesmo. Ele apertou ainda mais como se não pudesse deixá-la ir.

— Foi seus pais, não foi?

Ela manteve-se quieta e abraçou-o mais forte que pôde. Afastou-se e deu um selinho longo.

— Sinto muito.

— Selena...

— Sinto muito por ter colocado você nessa posição.

— Selena, independente do que acontecer hoje. Não me exclua outra vez. Você esteve ao meu lado e eu quero estar no seu também.

— Vai dar tudo certo e, quando eu puder, você saberá de tudo.

Dois guardas civis levaram Selena para a corte para o início de seu julgamento que durou quatro dias e Abel esteve lá todos os dias ao lado de Selena, acreditando em sua inocência. Seus pais também estavam na audiência e Selena os viu, mas com o pacto de silêncio fez com que jamais tivesse vontade de falar com eles. Na verdade, ela já nem se lembrava como soava sua voz ao chamá-los de “papai” ou “mamãe”, e depois de um bom tempo, também esqueceu da voz deles ao chamá-la de inúmeros apelidos carinhosos que tinha de uma vida que já não é mais essa.

Selena foi declarada culpada.

As provas eram tão circunstanciais que a promotoria se agarrou à declaração de culpa de Selena. O júri não tinha muito o que fazer porque a cidade de Nova Iorque queria justiça, nem que tudo soasse meio injusto. E condenada a vinte e quatro anos de prisão, Selena sorriu porque parecia certo. Para ela, pelo menos.

Cerca de dois meses após sua condenação, Selena aceitou a visita de Abel. Ele sentou-se em sua frente e a encarou, ela estava diferente. Os longos cabelos negros foram substituídos por um corte buzzcut despojado – para não dizer que o corte foi feito por alguém não profissional.

— Ficou estranho, né? — ela disse ao olhar a reação surpresa de Abel. — Queria algo diferente, acho que me deixou mais “durona” aqui.

— Não sei se durona é a característica certa. — respondeu. — Mas você está bonita.

— Então, minha intenção não deu certo...

— Acho meio impossível você não ficar bonita. Você sempre foi.

Ambos ficaram em silêncio.

— A dra. Cassandra disse que você queria me ver. Fiquei surpreso, você nunca aceitou minhas tentativas de visitas.

— Acho que é o momento de nos conversarmos sobre tudo o que aconteceu.

— Selena, antes de começarmos, seu pai soube que eu iria te ver. Ele está muito chateado com tudo o que houve... seus pais vão sair da cidade e você não...

— Apenas pare! — Selena interrompeu-o. — Eu não estou castigando meus pais, apesar de eles acharem isso. Veja bem, Abel, se eu estou aqui, significa que algo importa mais para eles do que eu.

— O que quer dizer com isso?

Selena respirou fundo.

— Meus pais mataram o sr. Tesfaye numa tentativa fracassada e equivocada por vingança. No baile de inverno do ensino médio, nós... nós dormimos juntos... lembra disso?

Abel paralisou.

— S-sim... — respondeu nervoso. — Você... você nunca tocou no assunto... por quê?

— Eu não me lembrava bem daquela noite, na verdade, eu fiquei tão neurótica dos meus pais brigarem comigo e de perder sua amizade que coloquei você nessa situação inteira.

— O que o baile tem com toda essa situação? Com meu pai?

— Absolutamente tudo, Abel. Meus pais pensaram que você abusou de mim. Eu não quero entrar nesses detalhes, mas eu sei também que meu pai roubava o seu pai e eu acho que seu pai descobriu antes de falecer. É disso que eu quero falar com você!

— Selena... que história é essa? — Abel estava confuso com toda a informação.

— Presta atenção em mim, Abel. Escute no que estou dizendo.

— Mas porque você assumiu a culpa, você passará quase trinta anos na cadeia por causa dos seus pais?

— Estar aqui, na verdade, é uma liberdade que eu não teria lá fora. Eu não posso provar ainda, mas, com a sua ajuda, eu irei provar o que meus pais fizeram!

— Selena...

— Eu sei, eu sei. Abel, eu preciso que você entenda que eu não me sinto mal por estar aqui, eu realmente me sinto livre dos meus pais porque aqui dentro eles não podem mais me manipular. E para você estar livre, também quis fazer por você! Depois de tudo o que você sofreu, você seria condenado pelo que meus pais te causaram e, sabendo do que eu sabia, jamais iria suportar.

Abel passou a mão no rosto, mal conseguia dirigir tanta informação. Ele respirou fundo e concordou dizendo:

— O que eu devo fazer?

— Primeiro, deve insistir que eles não saiam na cidade. Eles não podem partir, pois, se fizerem isso, será mais difícil. E depois, teremos que investigar a fundo todas as finanças de meu pai e, principalmente, minha mãe. Eles mataram o sr. Tesfaye, atearam fogo na sua casa e mandariam você para prisão perpetua. Entenda, Abel, eles não terão paz.

O sinal do horário de visita tocou e Selena levantou-se.

— Se eles me amassem mais do que a própria liberdade ou a consciência, eles não me deixariam aqui. Eles não são coitados, Abel! E você deve tomar muito cuidado!

— Eu tomarei, eu prometo. — ele respondeu. — Selena...

— Até semana que vem! Eu vou te esperar. — chegou até a porta. — Seja frio!

Selena foi levada à sua cela, sentia-se mais leve pela verdade que contou, mas esse sentimento foi tomado pela fúria que guardava dentro de si. Ela se vingaria.

E Abel, ao sair da prisão atordoado, voltou para casa de táxi pensativo no que faria. Não sabia elaborar grandes planos ou teorias como Selena, mas sentiu uma raiva dentro de si. E era esse sentimento que Selena queria despertar nele, pois, para ambos, foi uma oportunidade tomada.

Se a vida fosse diferente, daquela noite a diante, eles estariam juntos?

Era um questionamento legítimo.

Ao chegar na Delancey Street, Abel desceu do carro e olhou para o escopo do que já tinha sido sua casa, após o julgamento e liberação da herança deixada pelo pai, Phillip Hart iniciara uma reforma do imóvel. E do outro lado da rua, estava a antiga casa de Selena, que, atualmente, parece sem vida. Abel tocou a campainha e sr. Gomez atendeu, surpreso com a visita de Abel, questionou:

— Abel, aconteceu alguma coisa?

Abel encarou o sr. Gomez, naquele momento sentiu uma fúria tão grande que gostaria de deixar seu corpo responder com violência, mas lembrou que aquele não era o seu perfil. Lembrou de Selena dizendo: “seja frio”. Ele teria que ser tão frio quanto os pais de Selena e carregar o mau caratismo semelhante ao casal. Ele seria calculista a partir deste momento.

— Visitei Selena, sr. Gomez. — disse com um sorriso. — Convenci-a de aceitar sua visita, ela está ainda muito ansiosa porque a cadeia não a faz bem, obviamente. Ela se sente muito mal por tudo o que aconteceu...

— Ela aceitará nos ver?

— Ela disse que sim. Não será agora. Ela mal conseguiu falar comigo, saiu antes de terminar o tempo de visita. — Abel balançou a cabeça. — Selena assumiu o que fez, como fez... disse que era importante eu saber o que ocorreu, que meu pai a maltratou quando jovem... eu... eu jamais desconfiei, sr. Gomez... e-eu sinto m-muito... — gaguejou e iniciou um choro ensaiado. — Peço perdão pelo meu pai, sr. Gomez... como ele? Como ele faria algo assim...

O pai de Selena olhou para Abel estático, não tinha reação. E abraçou-o num impulso de tentar controlar a situação. Abel retribuiu o abraço e disse:

— Melhor eu ir... esse lugar não me faz bem.

— Selena falou sério?

— Acredito que sim, sr. Gomez. — respondeu firme. — Ela é sua filha, sempre será.

— Tudo que fiz até hoje é para tentar protegê-la, Abel. Sinto falta da minha menina.

— E ela sente a de vocês. — Abel sorriu. — Vou embora, mas eu só peço que não me excluam porque eu sempre me senti bem na família de vocês. Eu quero ver Selena livre.

O sr. Gomez assentiu e prometeu que Abel ainda fazia parte da família. E a cada quinze dias, convidava Abel para almoçar no final de semana ao mesmo tempo que Selena aceitara as visitas, bajulações e perdões de seus pais, era o que Abel precisava para vasculhar e investigar o casal.

Selena tinha certeza de que eles escondiam algo. E ela estava certa. É claro que estava, pois ela confiava nos seus instintos. Aprendera com Hercule Poirot.

No tempo que Abel gastava com detetives particulares, Selena pediu aos pais que entrasse com recurso de sua sentença e ambos os lados gastavam dinheiro por uma mesma causa. Mesmo sem o senhor e senhora Gomez saberem disso.

Toda semana, Abel visitava Selena. Levava para ela atualizações sobre o que tinha descoberto, algumas revelações e, até mesmo, livros. E dentro, Selena não estava mais em uma posição ruim, aprendera a se defender com aulas de defesa pessoal que outros presidiarias davam e passou a lecionar aulas de literatura como forma de redução de pena.

Não era fácil, é obvio que não, a prisão não é para qualquer pessoa. Tão pouco para ela, mas ela tinha um objetivo importante e seu foco não desviava: seus pais.

Era necessário cavar fundo, manter o sangue frio e investigar. E, no final, como uma resolução de um mistério de Poirot, eles acharam e provariam sua inocência. Custe o que custar, Selena faria justiça.

E ela fez.

[FIM]


Um comentário:

  1. Oi, Mirela!
    Eu comecei a ter uma leve desconfiança nos pais dela. Gostei muito desse final. Fico feliz por ela ter conseguido ter a justiça que almejava.

    Desculpe a demora em comentar. Vou ler o novo post.

    ResponderExcluir

GNMH - CRÉDITOS ❤