Selena mexia as mãos de um lado para o
outro apenas apreciando o barulho das algemas quando entrava em contato com a
mesa. Aquilo a distraia da grande ansiedade que sentia dentro de si mesma de
todos os medos que a dominavam em relação ao ocorrido.
Ela tinha se declarado culpado. Ela era
culpada de matar o sr. Tesfaye.
E eles tinham prova disso.
Selena sentia seu corpo tremer sem que
pudesse se controlar. Ela tentava permanecer calma, como se pudesse demonstrar
uma plenitude que não a pertence. Respirou fundo e disse a si mesmo que era
hora de enfrentar as consequências.
— Selena? — ouviu chamá-la. — Está
entendendo todas as condições?
Selena voltou a si e olhou para dra.
Cassandra, sua advogada concedida pelo Estado. Balançou a cabeça em negativa.
— Entendo que esteja nervosa, mas
preciso que preste atenção no que estou te falando.
— Desculpa...
— Selena, daqui a duas horas, iremos
ter uma audiência em que você terá que se declarar culpada ou inocente e isso
decidirá seu futuro. Sou advogada que irá te representar neste processo e
preciso que você seja franca comigo.
— Eu... eu não sei bem...
— A promotoria alega não ter provas
contra você e você confessou na delegacia ter matado sr. Tesfaye e ateado fogo
em sua propriedade.
— Sim, isso mesmo.
— Selena, você também alegou ter
sofrido uma perda de memória após o acidente. Isso significa que sua confissão
não é confiável já que você ainda segue considerada mentalmente instável.
Selena ficou em silêncio.
— Seus pais querem ter te ver, você
aceita a visita? Talvez eles possam te ajudar a organizar sua mente...
— Não quero ver ninguém até lá. Irei
me declarar culpado, pois sou culpada!
— Bom, ainda preciso que você me conte
como tudo aconteceu até o momento da sua confissão, peço para que seja franca
comigo porque irei te defender baseado em tudo que você tenha a me contar e nas
provas que terão contra você.
Selena suspirou e disse:
— Não precisa fazer tanto esforço, eu
irei me declarar culpada.
— Conversei com Abel e ele não
acredita em sua confissão. Você está fazendo isso para tentar protegê-lo?
— Proteger Abel? — Selena riu. — Eu
estou morrendo de medo de ir a cadeia.
— Ele não acredita nisso e será uma
boa testemunha. — dra. Cassandra respondeu. — Você foi coagida a isso ou tenta
proteger alguém?
— Com todo respeito, você tem um caso
fracassado. Entendo sua frustração em tentar fazer com que o que está
acontecendo seja além do que realmente é. Eu já fiz o mesmo durante um tempo...
não vale a pena...
Ambas ficaram em silêncio por alguns
segundos.
— Estou fazendo isso por mim!
— Selena, não sou uma advogada
gananciosa. Sempre pego os piores casos e nunca espero ganhar, tanto que quase
nunca ganho. Meus clientes mentem, escondem informações valiosas e me colocam
em cada furada...
— Serei mais um fracasso seu... —
Selena riu, mas tinha lagrimas nos olhos.
— Na verdade, diria o oposto disso.
Você mente, sim, você mente, mas mente pelos motivos errados. Você não é
culpada e dizer que é, será o maior erro de sua vida.
— Pode ter certeza de que tenho erros
piores. — enxugou uma lágrima que caiu. — Isso sou eu corrigindo as coisas.
Selena colocou as palmas de suas mãos
na mesa e sentiu o gélido do metal. Suspirou e afirmou mais uma vez como se
precisasse convencer mais a si mesmo do que outros.
— Sou culpada!
***
Naquela mesma tarde, Selena se
declarou culpada frente ao juiz sobre o assassinato do seu vizinho, sr.
Tesfaye. E em mais uma reviravolta do caso – e dessa vez, Selena tinha certeza de
que seria a última, a mídia buscou como urubus motivos para que o notável caso
ganhasse este fim. E não demorou muito para que o NY Post começasse algumas
investigações para apontar razões que levaram Selena ao ato. O NY Daily News
também fez investigações para construir seu artigo mais visualizado daquele
bimestre, o artigo explorava as ligações que Selena manteve com a família
Tesfaye e como teve sangre frio para manter-se próxima à família após o
assassinato, onde brincou de gato e rato consigo mesma, fazendo mais vítimas
como Abel Tesfaye e Phillip Hart que, além de sofrerem suas perdas, também
lidaram com a frieza e manipulação de Selena.
Toda essa atenção midiática levou o
caso jurídico para um caminho que Selena jamais imaginara antes e foi neste
momento que sentiu perder controle de tudo – como se um dia tivesse controlado
alguma dessas coisas. Foi no primeiro dia de seu julgamento no tribunal que
Selena soube que a promotoria pediu a prisão perpetua, pois a Estado não
aceitava mais a pena de morte. Infelizmente, segundo a população novaiorquina,
já que pessoas como Selena Gomez sequer merecia viver neste mundo.
Já na penitenciaria que ficava
localizada no interior do estado, Selena acostumou-se com o cotidiano, bastasse
que toda semana repasse uma quantia de trezentos dólares para a facção que
liderava os corredores – tal dinheiro era de seus pais, que mandava para a
conta de Selena todo mês na tentativa de ter o perdão de sua filha. Porém,
Selena manteve sua promessa, naquele dia foi a última vez que seus pais a viram
pessoalmente.
Não tinha amizades, mas convivia bem
com duas colegas de cela e não recebia nenhuma visita, pois não permitiu a
entrada de ninguém durante os primeiros meses de julgamento. Era difícil viver
naquele lugar, Selena, todas as manhãs, nomeava o nome de todas as coisas que
sentia mais falta. E ria em saber que ela realmente uma cidadã de Nova Iorque,
ela simplesmente sentia falta do metrô.
— Quanto tempo está aqui? —
perguntaram-na.
— Oito meses.
— Já foi julgada?
— Ainda não... — suspirou. — Meu
julgamento será no próximo mês.
— E você está preparada? Acha que tem
chances de sair?
— Já me declarei culpada. — Selena
riu. — Você realmente acha que terei chances?
***
Selena arrumou sua roupa, passava sua
mão esquerda por cima do terninho que costumava utilizar para apresentar
seminários ou fazer entrevistas de emprego. Estava muito ansiosa, sentia seu
coração bater mais rápido do que o habitual, percebeu-se pálida e, às vezes,
até zonza pelo nervosismo.
— Está bem? — perguntou dra.
Cassandra.
— Sim, sim, um pouco nervosa. — Selena
riu. — Não sei por que, não é como se eu não soubesse o que aconteceria. —
disse.
— E você não sabe mesmo. Tem que ter
esperanças. — dra. Cassandra. — Ainda dá tempo de pedirmos um prazo maior,
reformular o caso, declarar-se inocente.
— Já é tarde demais. No tribunal das ruas,
da internet... já me declararam culpada.
— Selena, antes de irmos, tem uma
pessoa que quer vê-la. Aceite, pois, se nada for diferente do que você espera,
você se arrependerá.
A dra. Cassandra foi até a porta e
abriu-a, Abel entrou. Selena assustou-se, ele estava diferente... um diferente
bom. Ela sorriu com certo orgulho, seus olhos marejaram quando o olhou
diretamente. Já Abel, enxergava Selena de uma forma diferente. Nos últimos
meses, só tinha visto Selena pela televisão.
— E aí... — Selena tentou soar descontraída.
— Como está indo?
Abel não a respondeu, olhou-a por mais
alguns instantes e aproximou-se dela sem tirar os olhos em cada detalhe de seu
rosto. Selena sentia-se mal, pois sabia que Abel era capaz de enxergar além do
que vê, ele conseguia enxergar sua alma naquele momento.
Ele deslizou os dedos em seus cabelos
negros e passou as pontas dos dedos em sua bochecha, sentiu seu corpo eletrizar
ao ver Selena pessoalmente. Era real.
— Selena... — pegou em sua mão. — Por
favor, conte-me o que aconteceu?
— Abel, apenas deixe isso de lado. Eu estou
tão feliz de te ver. Eu quero pedir perdão...
— Apenas pare! Eu sei que você não fez
nada e eu pedi para depor, eu direi isso para o júri. Você é inocente, Selena!
Você sabe disso, eu sei disso... Até Phillip Hart me procurou e sabe disso. Quem
você está protegendo?
— Ninguém além de você, eu juro. — Ela
sorriu confiante. — Abel, estou fazendo isso por mim mesma e por você. Você é o
mais inocente dessa história inteira.
— Phillip me disse que antes de você assumir
a culpa, você estava com seu pai e você também não aceita as visitas deles. O
que você sabe?
— Abel... — Selena o abraçou
fortemente. — Apenas deixe-me aproveitar você aqui.
Abel abraçou-a ainda mais forte,
cheirou sua pele... tudo ainda era o mesmo. Ele apertou ainda mais como se não pudesse
deixá-la ir.
— Foi seus pais, não foi?
Ela manteve-se quieta e abraçou-o mais
forte que pôde. Afastou-se e deu um selinho longo.
— Sinto muito.
— Selena...
— Sinto muito por ter colocado você nessa
posição.
— Selena, independente do que
acontecer hoje. Não me exclua outra vez. Você esteve ao meu lado e eu quero
estar no seu também.
— Vai dar tudo certo e, quando eu
puder, você saberá de tudo.
Dois guardas civis levaram Selena para
a corte para o início de seu julgamento que durou quatro dias e Abel esteve lá
todos os dias ao lado de Selena, acreditando em sua inocência. Seus pais também
estavam na audiência e Selena os viu, mas com o pacto de silêncio fez com que
jamais tivesse vontade de falar com eles. Na verdade, ela já nem se lembrava
como soava sua voz ao chamá-los de “papai” ou “mamãe”, e depois de um bom
tempo, também esqueceu da voz deles ao chamá-la de inúmeros apelidos carinhosos
que tinha de uma vida que já não é mais essa.
Selena foi declarada culpada.
As provas eram tão circunstanciais que
a promotoria se agarrou à declaração de culpa de Selena. O júri não tinha muito
o que fazer porque a cidade de Nova Iorque queria justiça, nem que tudo soasse meio
injusto. E condenada a vinte e quatro anos de prisão, Selena sorriu porque parecia
certo. Para ela, pelo menos.
Cerca de dois meses após sua
condenação, Selena aceitou a visita de Abel. Ele sentou-se em sua frente e a
encarou, ela estava diferente. Os longos cabelos negros foram substituídos por
um corte buzzcut despojado – para não dizer que o corte foi feito por alguém não
profissional.
— Ficou estranho, né? — ela disse ao
olhar a reação surpresa de Abel. — Queria algo diferente, acho que me deixou
mais “durona” aqui.
— Não sei se durona é a característica
certa. — respondeu. — Mas você está bonita.
— Então, minha intenção não deu
certo...
— Acho meio impossível você não ficar
bonita. Você sempre foi.
Ambos ficaram em silêncio.
— A dra. Cassandra disse que você queria
me ver. Fiquei surpreso, você nunca aceitou minhas tentativas de visitas.
— Acho que é o momento de nos conversarmos
sobre tudo o que aconteceu.
— Selena, antes de começarmos, seu pai
soube que eu iria te ver. Ele está muito chateado com tudo o que houve... seus
pais vão sair da cidade e você não...
— Apenas pare! — Selena interrompeu-o.
— Eu não estou castigando meus pais, apesar de eles acharem isso. Veja bem,
Abel, se eu estou aqui, significa que algo importa mais para eles do que eu.
— O que quer dizer com isso?
Selena respirou fundo.
— Meus pais mataram o sr. Tesfaye numa
tentativa fracassada e equivocada por vingança. No baile de inverno do ensino
médio, nós... nós dormimos juntos... lembra disso?
Abel paralisou.
— S-sim... — respondeu nervoso. — Você...
você nunca tocou no assunto... por quê?
— Eu não me lembrava bem daquela noite,
na verdade, eu fiquei tão neurótica dos meus pais brigarem comigo e de perder
sua amizade que coloquei você nessa situação inteira.
— O que o baile tem com toda essa
situação? Com meu pai?
— Absolutamente tudo, Abel. Meus pais
pensaram que você abusou de mim. Eu não quero entrar nesses detalhes, mas eu
sei também que meu pai roubava o seu pai e eu acho que seu pai descobriu antes
de falecer. É disso que eu quero falar com você!
— Selena... que história é essa? —
Abel estava confuso com toda a informação.
— Presta atenção em mim, Abel. Escute
no que estou dizendo.
— Mas porque você assumiu a culpa, você
passará quase trinta anos na cadeia por causa dos seus pais?
— Estar aqui, na verdade, é uma liberdade
que eu não teria lá fora. Eu não posso provar ainda, mas, com a sua ajuda, eu
irei provar o que meus pais fizeram!
— Selena...
— Eu sei, eu sei. Abel, eu preciso que
você entenda que eu não me sinto mal por estar aqui, eu realmente me sinto
livre dos meus pais porque aqui dentro eles não podem mais me manipular. E para
você estar livre, também quis fazer por você! Depois de tudo o que você sofreu,
você seria condenado pelo que meus pais te causaram e, sabendo do que eu sabia,
jamais iria suportar.
Abel passou a mão no rosto, mal
conseguia dirigir tanta informação. Ele respirou fundo e concordou dizendo:
— O que eu devo fazer?
— Primeiro, deve insistir que eles não
saiam na cidade. Eles não podem partir, pois, se fizerem isso, será mais difícil.
E depois, teremos que investigar a fundo todas as finanças de meu pai e,
principalmente, minha mãe. Eles mataram o sr. Tesfaye, atearam fogo na sua casa
e mandariam você para prisão perpetua. Entenda, Abel, eles não terão paz.
O sinal do horário de visita tocou e
Selena levantou-se.
— Se eles me amassem mais do que a própria
liberdade ou a consciência, eles não me deixariam aqui. Eles não são coitados,
Abel! E você deve tomar muito cuidado!
— Eu tomarei, eu prometo. — ele
respondeu. — Selena...
— Até semana que vem! Eu vou te
esperar. — chegou até a porta. — Seja frio!
Selena foi levada à sua cela,
sentia-se mais leve pela verdade que contou, mas esse sentimento foi tomado
pela fúria que guardava dentro de si. Ela se vingaria.
E Abel, ao sair da prisão atordoado,
voltou para casa de táxi pensativo no que faria. Não sabia elaborar grandes
planos ou teorias como Selena, mas sentiu uma raiva dentro de si. E era esse
sentimento que Selena queria despertar nele, pois, para ambos, foi uma
oportunidade tomada.
Se a vida fosse diferente, daquela
noite a diante, eles estariam juntos?
Era um questionamento legítimo.
Ao chegar na Delancey Street, Abel
desceu do carro e olhou para o escopo do que já tinha sido sua casa, após o
julgamento e liberação da herança deixada pelo pai, Phillip Hart iniciara uma
reforma do imóvel. E do outro lado da rua, estava a antiga casa de Selena, que,
atualmente, parece sem vida. Abel tocou a campainha e sr. Gomez atendeu,
surpreso com a visita de Abel, questionou:
— Abel, aconteceu alguma coisa?
Abel encarou o sr. Gomez, naquele
momento sentiu uma fúria tão grande que gostaria de deixar seu corpo responder
com violência, mas lembrou que aquele não era o seu perfil. Lembrou de Selena
dizendo: “seja frio”. Ele teria que ser tão frio quanto os pais de Selena e
carregar o mau caratismo semelhante ao casal. Ele seria calculista a partir
deste momento.
— Visitei Selena, sr. Gomez. — disse
com um sorriso. — Convenci-a de aceitar sua visita, ela está ainda muito
ansiosa porque a cadeia não a faz bem, obviamente. Ela se sente muito mal por
tudo o que aconteceu...
— Ela aceitará nos ver?
— Ela disse que sim. Não será agora.
Ela mal conseguiu falar comigo, saiu antes de terminar o tempo de visita. —
Abel balançou a cabeça. — Selena assumiu o que fez, como fez... disse que era
importante eu saber o que ocorreu, que meu pai a maltratou quando jovem...
eu... eu jamais desconfiei, sr. Gomez... e-eu sinto m-muito... — gaguejou e
iniciou um choro ensaiado. — Peço perdão pelo meu pai, sr. Gomez... como ele? Como
ele faria algo assim...
O pai de Selena olhou para Abel estático,
não tinha reação. E abraçou-o num impulso de tentar controlar a situação. Abel
retribuiu o abraço e disse:
— Melhor eu ir... esse lugar não me
faz bem.
— Selena falou sério?
— Acredito que sim, sr. Gomez. —
respondeu firme. — Ela é sua filha, sempre será.
— Tudo que fiz até hoje é para tentar protegê-la,
Abel. Sinto falta da minha menina.
— E ela sente a de vocês. — Abel
sorriu. — Vou embora, mas eu só peço que não me excluam porque eu sempre me
senti bem na família de vocês. Eu quero ver Selena livre.
O sr. Gomez assentiu e prometeu que
Abel ainda fazia parte da família. E a cada quinze dias, convidava Abel para
almoçar no final de semana ao mesmo tempo que Selena aceitara as visitas,
bajulações e perdões de seus pais, era o que Abel precisava para vasculhar e investigar
o casal.
Selena tinha certeza de que eles
escondiam algo. E ela estava certa. É claro que estava, pois ela confiava nos
seus instintos. Aprendera com Hercule Poirot.
No tempo que Abel gastava com
detetives particulares, Selena pediu aos pais que entrasse com recurso de sua sentença
e ambos os lados gastavam dinheiro por uma mesma causa. Mesmo sem o senhor e
senhora Gomez saberem disso.
Toda semana, Abel visitava Selena.
Levava para ela atualizações sobre o que tinha descoberto, algumas revelações
e, até mesmo, livros. E dentro, Selena não estava mais em uma posição ruim,
aprendera a se defender com aulas de defesa pessoal que outros presidiarias
davam e passou a lecionar aulas de literatura como forma de redução de pena.
Não era fácil, é obvio que não, a
prisão não é para qualquer pessoa. Tão pouco para ela, mas ela tinha um
objetivo importante e seu foco não desviava: seus pais.
Era necessário cavar fundo, manter o
sangue frio e investigar. E, no final, como uma resolução de um mistério de
Poirot, eles acharam e provariam sua inocência. Custe o que custar, Selena faria
justiça.
E ela fez.
[FIM]
Oi, Mirela!
ResponderExcluirEu comecei a ter uma leve desconfiança nos pais dela. Gostei muito desse final. Fico feliz por ela ter conseguido ter a justiça que almejava.
Desculpe a demora em comentar. Vou ler o novo post.